De cabeça erguida

OPINIÃO - Arnaldo Jardim*
18/09/2003 16:30

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O desfecho da 5ª Conferência Ministerial da OMC - Organização Mundial do Comércio, em Cancún, México, representou um verdadeiro vendaval nas relações internacionais, ao misturar avaliações de derrota, de vitória e de mudança. O clima de fracasso da reunião começou pela polêmica insistência dos europeus em esclarecer a discussão do protecionismo agrícola dos países ricos e terminou com um sonoro "não" dos países em desenvolvimento em relação à criação de normas para investimentos externos e gastos governamentais, deixando assim, exposta a fragilidade das relações entre nações quando a questão é o comércio.

Sem sombra de dúvida, o fracasso em se avançar em direção a um comércio mais equilibrado e mais justo, poderá ter um custo elevado para países emergentes e pobres, às voltas com dívidas e com dificuldades de acesso a mercados. No entanto, o "livre comércio" na maioria dos casos está restrito à retórica de quem pretende aumentar a sua participação nos mercados mundiais, sem oferecer contrapartida.

Não que era possível esperar um milagre em Cancún, como por exemplo, resolver as controvérsias do comércio mundial de uma hora para outra. No entanto, o que se viu às vésperas da Conferência foi uma orquestração, no mínimo indecente, por parte da União Européia e dos Estados Unidos, com vistas a dar as cartas na Rodada de Doha, a exemplo do que ocorreu com a Rodada Uruguai. Depois de dois anos sem qualquer mobilização para apresentar um plano de liberação dos mercados agrícolas, que consomem subsídios da ordem de US$ 300 bilhões ao ano dos países ricos, europeus e norte-americanos apresentaram uma proposta pífia, vista mais como um retrocesso por muitos países emergentes. Isso provocou um movimento contrário de países emergentes - liderados pelo Brasil - que apresentaram uma proposta alternativa, a qual contemplava até a eliminação dos subsídios às exportações agrícolas. O G-22, como ficou conhecido, pode estar longe de representar o peso econômico de Estados Unidos, União Européia e Japão, mas tem ao seu favor a representatividade de metade da população do planeta, ao contar com Índia e China em suas hostes.

A situação tornou-se mais conflituosa quanto europeus e norte-americanos tiraram da manga a proposta de prorrogação da Cláusula da Paz, tema ausente da pauta de discussões de Cancún, e que, ao expirar em dezembro deste ano, abre espaço para que países descontentes entrem com ações na OMC contra subsídios.

Mas o que realmente liquidou com a Conferência foi a proposta dos países ricos em negociar os chamados "temas de Cingapura": transparência nas compras governamentais, ou seja, na licitação de bens e serviços; facilitação de negócios - reduzir a burocracia nas alfândegas; maior liberdade de investimentos; e a concorrência. Nada menos que 70 países pobres rejeitaram a proposta. Afinal, é absurdo tentar criar normas supranacionais sobre investimento externo, o que reduziria a autonomia dos países em desenvolvimento em estabelecer suas políticas próprias. "Nós não perdemos, ganhamos", afirmou Ivonne Bakki, ministra do Comércio do Equador, ao final do encontro.

Diante de tanta rejeição, ficou claro que os países emergentes consideram as cláusulas que regem as estratégias de desenvolvimento nacional uma questão central. Ao rejeitar propostas que pouco acrescentam a um comércio equilibrado, há uma opção clara pela soberania.

Cancún foi apenas uma etapa numa rodada multilateral de comércio que tem mais dois anos pela frente. Para o G-22, o próximo passo é se preparar para as negociações em Genebra, que terão de ser realizadas até 15 de dezembro. Nesse ponto, o ministro brasileiro foi taxativo: a intenção do grupo é continuar as negociações sobre a agricultura "do ponto em que paramos", visando obter uma liberalização maior do que a proposta pela União Européia e Estados Unidos. Ao aprender a defender os seus interesses, os países emergentes começam a trabalhar de cabeça erguida.

Em seus embates em favor de um mercado mais equilibrado, o G-22 representou um sucesso diplomático, ao formar um novo pólo na OMC. Segundo o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a atuação do Grupo foi um dos pontos positivos do encontro. Acredito nisto, afinal criaram-se condições para que no âmbito dos países desenvolvidos passem a se manifestar lideranças e correntes de opinião que defendam uma outra postura, de real abertura e maior equilíbrio nas relações internacionais.

Arnaldo Jardim é deputado estadual e engenheiro civil

E-mail: arnaldojardim@uol.com.br

Website: www.arnaldojardim.com.br

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