Vereador: alicerce da democracia

OPINIÃO - Luiz Gonzaga Vieira*
09/10/2003 17:56

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Tive a satisfação de presidir, no dia 3 de outubro, a sessão solene por meio da qual a Assembléia Legislativa homenageou os vereadores do Estado. Destaquei, na ocasião, a importância dos vereadores como um dos eixos sobre os quais a democracia se sustenta, dada a sua proximidade com o eleitor.

O diplomata francês Alexis de Tocqueville, ao analisar a então nascente democracia norte-americana, destacou como elemento fundamental do bom funcionamento desta democracia a vida cívica das comunidades e a liberdade que existia nelas. Para ele, nas cidades que "residia a força dos povos livres".

Disse ele:

"As instituições comunais são para a liberdade aquilo que as escolas primárias são para a ciência; pois a colocam ao alcance do povo, fazendo-o usufruir do seu uso pacífico e habituar-se a servir-se dela. Sem instituições comunais uma nação até poderá ser livre, mas não terá o espírito da liberdade orientando seus passos e vigiando suas ações."

Menciono estas palavras porque certamente não há instituição que melhor represente o espírito democrático e materialize o Estado do que as Câmaras Municipais, assim como nenhum outro homem público ocupante de cargo eletivo personifica o governo de forma tão concreta como o vereador.

Os governos estadual ou federal são abstrações, agrupamentos que mesmo tendo sido construídos pela história são unidades teóricas, delimitadas por fronteiras imaginárias, dirigidas por personagens distantes. Já os municípios têm uma realidade bem concreta, problemas objetivos.

E o vereador é justamente a parcela mais diretamente ligada ao cidadão de todo o Estado. É ele o homem público que convive mais intimamente com os eleitores, que compartilha de suas preocupações, anseios e necessidades, que primeiro responde às suas demandas, aquele com quem podem discutir a sua realidade.

Para que tenha força no Brasil justamente aquele "espírito de liberdade" do qual falta Tocqueville, a valorização dos vereadores é essencial, porque entre eles e o povo a distância é a menor. O vereador não é uma autoridade abstrata e distante, mas um líder concreto.

Ao mesmo tempo em que o vereador é o elo visível entre a sociedade civil e o Estado, as Câmaras Municipais são as instituições que melhor personificam a democracia, não só por estarem ao alcance direto dos cidadãos, mas também porque ali o poder está distribuído entre as lideranças que brotaram da sociedade e com a qual mantêm os mais fortes vínculos.

Ao decidir ingressar na vida pública, o vereador torna-se parte do Estado mas conserva-se, mais do que qualquer outro ocupante de cargo eletivo, fortemente imerso na sociedade. A fronteira entre a esfera pública e a sociedade, para ele, não é uma muralha, mas um umbral pelo qual ela passa inúmeras vezes ao dia.

Boa parte dos cidadãos verá poucas vezes na vida um agente político com mandato, por mais ativo e presente que seja qualquer governo, dadas as dimensões do país, a multiplicidade de tarefas a serem executadas, a centralização geográfica dos poderes. Assim, a única figura pública que ele terá sempre oportunidade de encontrar, de ser vizinho, de ser colega, de conviver em maior grau será a do vereador.

Só o vereador tem a capacidade de produzir em sua comunidade o "espírito de liberdade" que permite ao eleitor compreender a cidadania não como alguma vaga palavra em um livro ou como um lugar comum a ser repetido em um discurso, mas como o fato de que ao eleger um representante estabelecemos uma relação de direitos e deveres mútuos.

Esta compreensão também é necessária para superar algumas noções equivocadas que temos, uma visão de hierarquia fora de propósito, que faz com que as pessoas achem que um vereador é inferior a um deputado ou a um senador.

Os vereadores não são personagens menores da República, não são a patente mais baixa de um exército, da mesma forma que uma pedra que mantém o alicerce de uma casa não é inferior a uma telha, ambas apenas estão em posição diferente na estrutura do prédio, mas ele depende mais da pedra na sua base do que da telha em seu teto.

Os vereadores são este vasto alicerce sobre o qual se funda o edifício do Estado. Como tal, seu mandato em nada é inferior ao de outros que estejam em outros cargos; é igualmente importante, indivisível, independente. Em certo sentido é até mais importante, porque nele a delegação dos representados se expressa com mais força e presença, não estando diluído em meio a fronteiras imaginárias, mas concentrado na proximidade com o povo.

*Luiz Gonzaga Vieira é deputado estadual (PSDB) e presidente da Comissão de Finanças e Orçamento da Assembléia Legislativa

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