Voto feminino - final


14/08/2002 15:35

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DA REDAÇÃO

Bem que os homens tentaram. Em 1890, durante a elaboração da primeira Constituição republicana, o constituinte baiano César Zama defendeu o sufrágio universal. No ano seguinte, 31 constituintes assinaram a emenda de Saldanha Marinho ao projeto de Constituição, estendendo às brasileiras o direito de votar. Mas em plenário as decisões foram desfavoráveis e, assim, o Brasil perdeu para a Nova Zelândia (em 1893) a primazia na concessão do voto às mulheres.

Homens e mulheres que se dedicaram à luta por esse direito estão tratados em pé de igualdade no trabalho A mulher e o voto, realizado pelo advogado e pesquisador Antônio Sérgio Ribeiro, com a elaboração dos funcionários do Parlamento paulista Dainis Karepovs, Álvaro Weissheimer Carneiro, Caio Silveira Ramos e Naiara Reis de Almeida, além do professor Abel Cardoso Jr., da Academia Sorocabana de Letras, e de Maria Ema Melo Rabelo Silva, da Câmara dos Deputados.

A pesquisa, que relata a história do voto feminino no mundo, será publicada neste jornal em três edições. Ao tratar do Brasil, ela acompanha desde precursoras como Leolinda de Figueiredo Daltro e Bertha Lutz, até a época contemporânea

A Mulher e o Voto - III

Antônio Sérgio Ribeiro

Com o advento da Revolução de 30, novos ventos sopraram. Nathércia da Cunha Silveira e a líder feminista mineira Elvira Komel formaram uma comissão, que em contato com as autoridades federais (entre os membros do novo governo, o ministro do Trabalho Lindolfo Collor), com o Cardeal D. Sebastião Leme, ao qual solicitou o patrocínio da Igreja, e com o antigo governador de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, obteve apoio ao voto feminino.

Em entrevista à imprensa, em 14 de setembro de 1931, a presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, entidade fundada no Rio de Janeiro em 9 de agosto de 1922, Bertha Lutz, afirmou que "é um fato interessante que as revoluções de pós-guerra tenham favorecido a mulher", e ainda enalteceu a figura do chefe do Governo Provisório Getúlio Vargas que, perante as participantes do II Congresso Internacional Feminista, realizado no mês de junho na Capital Federal, defendeu a oportunidade de remodelação da estrutura política nacional. Cumprindo a sua palavra, providenciou para que fosse elaborado um anteprojeto de lei eleitoral por uma comissão presidida pelo ministro Assis Brasil, desagradando inclusive o consultor geral da República, Dr. Levi Carneiro, que o achou "por demais complicado, dispendioso e de funcionamento demorado".

No tocante ao voto feminino, divergiu de restrições impostas, notadamente à mulher desquitada. Também se manifestaram no mesmo sentido os juristas Clóvis Bevilacqua e Mozart Lago e a escritora Amélia Bevilacqua.

Simplificação

O presidente Getúlio Vargas resolveu simplificar e todas as restrições às mulheres foram suprimidas. Através do Decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, foi instituído o Código Eleitoral Brasileiro, e o artigo 2 disciplinava que era eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do código. É de ressaltar que as disposições transitórias, no artigo 121, dispunham que os homens com mais de 60 anos e as mulheres em qualquer idade podiam isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral. Logo, não havia obrigatoriedade do voto feminino.

No dia 30 de junho de 1932, uma comissão de mulheres foi recebida no Palácio do Catete pelo presidente Getúlio Vargas, que recebeu um memorial com mais de 5.000 assinaturas, no qual pleiteavam a indicação da líder feminista Bertha Lutz como uma das participantes da comissão que deveria elaborar o anteprojeto da nova Constituição Brasileira. Em pouco mais de uma semana, porém, irrompe em São Paulo a Revolução Constitucionalista e todas as atenções são dirigidas ao conflito. Em 27 de outubro de 1932, três semanas após o fim das hostilidades, a Comissão do anteprojeto, composta por 23 componentes, seria nomeada por Getúlio Vargas, que cumpria assim sua promessa, nomeando não só Bertha Lutz, mas também Nathércia da Cunha Silveira.

O alistamento eleitoral foi realizado no Brasil inteiro. Em alguns Estados o número de mulheres que havia se inscrito ficou aquém do esperado. A motivação era pouca, mas havia exemplos dignificantes, como o caso da moradora de Itabira, em Minas Gerais, Virgínia Augusta de Andrade Lage, que fez questão em se inscrever perante a justiça apesar de contar com a idade de 99 anos.

Em 3 de maio de 1933, na eleição para a Assembléia Nacional Constituinte, a mulher brasileira pela primeira vez, em âmbito nacional, votaria e seria votada, e caberia a primazia de ser eleita a médica paulista Carlota Pereira de Queiróz, a primeira deputada brasileira, que havia se notabilizado como voluntária na assistência aos feridos durante a Revolução Constitucionalista. Seria reeleita em 1934. Ainda nessa legislatura tomaria posse a segunda deputada brasileira, a bióloga e advogada Bertha Lutz - tinha sido também a segunda mulher a ingressar nos quadros do serviço público brasileiro em 1919 - , que assumiria a cadeira na Câmara Federal em julho de 1936, quando do falecimento de um deputado. Uma representante classista, Almerinda Farias Gama, seria indicada pelo Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos e pela Federação do Trabalho do Distrito Federal para a Câmara Federal.

Com a promulgação da Constituição de 1934, a idade mínima para o exercício do voto seria alterada para 18 anos, mantida até o advento da Constituição de 1988, que facultou para os maiores de 16 anos o direito ao voto. A legislação eleitoral vigente, garante às mulheres brasileiras a participação efetiva nas eleições, obrigando os partidos políticos a apresentarem em suas chapas proporcionais a cota mínima de 30% de candidatas.

Êxito feminino

No ano de 1934, foram realizadas eleições em todo o país. Na cidade de São João dos Patos, no Maranhão, Joanna da Rocha Santos, do PSD, seria eleita prefeita por todos os 800 eleitores do município. Para as assembléias legislativas, em vários Estados da federação as mulheres obtiveram êxito. Em Santa Catarina, a professora Antonietta de Barros seria a primeira mulher eleita deputada naquele Estado, sendo também a primeira deputada negra em todo o Brasil. Em Alagoas seria eleita a médica Lili Lages. Na Bahia, assumiria em 1935 a advogada Maria Luíza Bittencourt. No Rio Grande do Norte, Maria do Céu Pereira Fernandes. Em São Paulo, duas mulheres foram eleitas, Maria Thereza Nogueira de Azevedo, diretora da Associação Cívica Feminina e Maria Thereza Silveira de Barros Camargo. Posteriormente assumiria também a professora Francisca (Chiquinha) Pereira Rodrigues. A democracia brasileira seria efêmera, já que, em 10 de novembro de 1937, pelo golpe do Estado Novo, todo o Poder Legislativo seria extinto por quase 10 anos.

Com a volta da democracia em 1945, nenhuma mulher seria eleita para o Congresso. Em 1947, em São Paulo, obteve uma vaga como deputada estadual Conceição da Costa Neves, reconduzida mais 5 vezes, até ter seus direitos políticos cassados pelo AI-5, em 1969. Foi a primeira mulher a assumir a presidência de uma assembléia legislativa em todo o Brasil.

Nas eleições de 3 de outubro de 1950, elegeu-se deputada federal Ivete Vargas, do PTB de São Paulo, a única mulher na Câmara Federal, que contava apenas 23 anos de idade. Reeleita mais 4 vezes, (legislaturas: 1951-1955, 1955-1959, 1959-1963, 1963-1967 e 1967-1971) foi também cassada pelo Regime Militar, no ano de 1969. Voltaria à Câmara Federal no ano de 1983, mas faleceria pouco depois.

No Senado Federal, a primeira mulher a ocupar uma cadeira foi Eunice Michiles, paulista de nascimento, que assumiu quando do falecimento do senador João Bosco de Lima, da Arena do Amazonas, de quem era suplente, em 1979. Somente nas eleições de 3 de outubro de 1990 é que, por voto direto, as mulheres conquistariam seu lugar no Câmara Alta, quando foram eleitas senadoras, Júnia Marise, PRN de Minas Gerais, e Marluce Pinto, PTB de Roraima.

No limiar do terceiro milênio, mais que nunca se faz imprescindível e vital, no mundo e no Brasil, a ampliação da efetiva participação das mulheres na vida política, não apenas como eleitoras, mas principalmente como ocupantes eleitas de todos os cargos.

A conquista do voto, fruto da coragem, tenacidade e sacrifícios, já foi uma demonstração admirável do quanto podem e do quanto valem. O desempenho dos mandatos, embora ainda em número muito aquém do que a sociedade necessita, tem revelado que as mulheres, tanto quanto a média dos homens, sabem tratar com capacidade, responsabilidade e amor a coisa pública.

alesp