Aviões, filas e desemprego

OPINIÃO - Aldo Demarchi*
12/02/2004 18:29

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Embora em contextos isolados, quatro notícias publicadas num mesmo dia - terça-feira, 10/2 - chamaram particularmente minha atenção por revelarem a face perversa de um governo eleito sob o signo da participação popular e justiça social. A cada dia que passa fica mais evidente o descompasso entre as promessas de campanha do presidente Lula e a realidade enfrentada pela maioria esmagadora da população brasileira, conforme revelam fatos como estes que comentarei a seguir.

A primeira notícia que despertou meu interesse dava conta que o anunciado contingenciamento de R$ 6 bilhões em despesas de investimento e custeio no orçamento da União de 2004 não impediu a edição de uma portaria autorizando o Ministério da Defesa a gastar R$ 143,5 milhões com reaparelhamento e adequação da Força Aérea Brasileira. Parte desse dinheiro vai garantir a primeira parcela do pagamento do novo avião da Presidência da República, adquirido do conglomerado europeu Airbus por US$ 56,7 milhões (R$ 165 milhões).

No mesmo dia em que o governo abria os cofres para atender um capricho de nosso presidente-turista, cerca de 3 mil pessoas abraçavam a fábrica de chocolates Garoto, que ocupa uma área de 45 mil metros quadrados do bairro da Glória, em Vila Velha, Espírito Santo. A manifestação foi em protesto contra a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de que seja desfeita a compra da Garoto pela Nestlé, efetivada há quase dois anos.

Enquanto isso, quase 20 mil pessoas ocupavam imensa fila nas imediações do Grêmio Esportivo Mauaense, localizado no Parque São Vicente, em Mauá, Grande São Paulo, para se candidatar a uma vaga temporária no programa Frente de Trabalho da Prefeitura do município. A Prefeitura está oferecendo 600 vagas e os selecionados devem receber um salário de R$ 240, vale transporte, cesta básica e convênio saúde. O emprego é garantido por 12 meses, com possibilidade de renovação por mais um ano.

Outra notícia de terça-feira, dia 10, revelava que o ano de 2003 foi "decepcionante" para o setor industrial, segundo o coordenador da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco. De acordo com dados divulgados pela entidade, a massa salarial teve o pior desempenho desde 1999, com contração real dos salários dos trabalhadores de 4,18%.

Vejam o paradoxo: no momento em que a indústria brasileira enfrenta uma de suas piores crises, o governo quer torrar milhões de dólares na compra de um avião europeu. Além disso, o tal Conselho Administrativo de Defesa Econômica - órgão vinculado ao poder central - ameaça o emprego de milhares de trabalhadores ao tentar anular uma transação firmada há dois anos. Provavelmente, Lula e seus companheiros querem tornar ainda maiores as filas dos desempregados como aquela que se formou no início da semana em Mauá.

*Aldo Demarchi é deputado estadual pelo PFL

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