Crônica de uma morte anunciada

OPINIÃO - Nivaldo Santana*
11/02/2004 16:23

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Catorze milhões de moradores da Região Metropolitana de São Paulo, distribuídos em 36 municípios, enfrentam a pior crise no abastecimento de água nos 30 anos de existência da Sabesp.

A situação é mais grave do que os pronunciamentos das autoridades do setor. Afinal, no pico do período das chuvas o Sistema Produtor de Água Cantareira, o principal da Região Metropolitana - e responsável pelo abastecimento de mais da metade da população da Grande São Paulo - apresenta um nível de água de apenas 6%.

Embora a Sabesp e a Secretaria de Energia e Recursos Hídricos procurem minimizar a dimensão do problema, técnicos da empresa têm produzido relatórios alertando para a possibilidade de o abastecimento de água sofrer um colapso sem precedentes.

Em um desses relatórios, denominado Programa Metropolitano de Água da Sabesp e elaborado em 1996, havia o alerta de que "a produção de água era superior à disponibilidade dos mananciais, havia sério risco de esvaziamento das represas e eram crescentes as limitações técnicas para o tratamento da água". Naquele ano, a capacidade dos mananciais era de 54,6 m3/s, enquanto a produção já avançava para 59,7 m3/s.

O estudo enfatizava que, além da superexploração dos mananciais, a Sabesp enfrentava diversos problemas de manutenção nas suas adutoras e nas redes distribuidoras de água. Alguns trechos dessas redes têm mais de 50 anos de existência e parte deles precisa ser substituída.

Mesmo não realizando as obras necessárias, em setembro de 1998 - um mês antes das eleições - o ex-governador Mário Covas convocou a imprensa e anunciou o fim do rodízio em São Paulo. A Sabesp desenvolveu grande campanha publicitária e todos os seus veículos foram pintados com o slogan "rodízio nunca mais!".

A euforia durou pouco. Passadas as eleições, a Sabesp realizou um novo planejamento estratégico para o período de 1999 a 2002. O objetivo era dotar a Região Metropolitana de condições de atendimento com até 10% acima da demanda. O plano já diagnosticava os problemas: "falta de capacidade dos sistemas de produção, adução e distribuição para atenderem, de forma contínua e segura, todos os consumidores", o que obrigava a empresa a realizar o rodízio.

Os técnicos da Sabesp afirmavam que "atrasos nos investimentos, perdas excessivas no sistema e sobrecarga dos equipamentos atuais" eram (e ainda são) os responsáveis centrais pela atual crise. Essas avaliações técnicas consistentes nunca vieram a público. O governo prefere transferir as responsabilidades para São Pedro.

Contra a propaganda enganosa do governo, os técnicos propunham "a ampliação da capacidade dos mananciais, melhoria na qualidade das águas e obras de adução para maior integração e flexibilidade entre os sistemas". Desgraçadamente, esses planos foram engavetados, o que levou à atual situação de caos no abastecimento.

Ao contrário do que divulga Geraldo Alckmin, o seu governo tem sido perverso com a Sabesp e não investe um único centavo do Tesouro no setor - pelo contrário. Todos os investimentos realizados pela Sabesp têm duas origens: recursos tarifários ou empréstimos. No primeiro caso, a necessidade leva a empresa a adotar política tarifária dura e socialmente injusta. No segundo, deixa a Sabesp à mercê das variações cambiais ou das taxas de juros.

O governo subtrai recursos da Sabesp com dividendos, não repassa valor algum dos recursos obtidos com a venda de suas ações, não usa recursos do Tesouro para o setor e, com isso, conseguiu a proeza de jogar a maior empresa de saneamento da América Latina na maior crise de sua história.O verdadeiro problema da Sabesp, portanto, não é a alegada falta de chuva, e sim a falta de mais investimentos.

Saneamento básico é essencial para a saúde pública, o bem-estar da população e para as atividades econômicas. Estudos da Organização Mundial de Saúde atestam que, para cada real investido em saneamento básico, há uma economia de cinco reais em medicina curativa, o que deveria servir de alerta para todos os governantes.

Para evitar que recursos do saneamento desapareçam nos ralos da irresponsabilidade e da incompetência, estamos protocolando requerimento de convocação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembléia Legislativa para analisar a crise do saneamento e as medidas para enfrentá-la. Depois de um ano sem CPIs, esperamos que a gravidade da crise no saneamento básico sensibilize a base do governador na Casa para a aprovação dessa proposta.

*Nivaldo Santana é deputado estadual e presidente do PCdoB no Estado de São Paulo

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