A mulher no Parlamento brasileiro

Antônio Sérgio Ribeiro*
05/03/2004 14:56

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A luta da mulher brasileira pelo voto foi tema de acaloradas discussões na Constituinte de 1891, quando diversos parlamentares defenderam essa aspiração, principalmente o deputado federal pela Bahia, o médico e intelectual César Zama, mas o conservadorismo da maioria não permitiu que o Brasil fosse o primeiro país do mundo a conceder esse direito às mulheres.

anos subseqüentes diversas tentativas foram feitas, projetos de lei foram apresentados tanto no Senado Federal, quanto na Câmara dos Deputados, mas nada de concreto foi conseguido. Houve nas primeiras décadas do século XX, alguns casos esporádicos de eleições com a participação das mulheres e até algumas foram eleitas, na órbita municipal. Com a vitória da Revolução de 1930, que pôs termo à chamada República Velha, e à ascensão de um novo governo chefiado por Getúlio Vargas, as mulheres puderam de fato aspirar à conquista do voto.

Em entrevista à imprensa, em 14 de setembro de 1931, a presidente da Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino, entidade fundada no Rio de Janeiro em 9 de agosto de 1922, Bertha Lutz, afirmou que "é um fato interessante, que as revoluções de pós-guerra têm favorecido a mulher", e ainda enaltecia a figura do Chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, que, perante as participantes do II Congresso Internacional Feminista, realizado do mês de junho na Capital Federal, defendeu a oportunidade da remodelação da estrutura política nacional. Cumprindo a sua palavra, foi elaborado um anteprojeto de lei eleitoral por uma comissão presidida pelo ministro Assis Brasil, que desagradou inclusive ao Consultor Geral da República, Levi Carneiro, que o achou "por demais complicado, dispendioso e de funcionamento demorado". No tocante ao voto feminino, divergiu de restrições impostas, notadamente à mulher desquitada. Também se manifestaram no mesmo sentido os juristas Clóvis Bevilacqua e Mozart Lago e a escritora Amélia Bevilacqua.

Fim da distinção de sexo

O presidente Getúlio Vargas resolve simplificar e todas as restrições às mulheres são suprimidas. Através do Decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, é instituído o Código Eleitoral Brasileiro e o artigo 2 disciplinava que era eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do código. É de ressaltar que as disposições transitórias, no artigo 121, dispunham que os homens com mais de 60 anos e as mulheres em qualquer idade podiam isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral. Logo, não havia obrigatoriedade do voto feminino.

No dia 30 de junho de 1932, uma comissão de mulheres é recebida no Palácio do Catete pelo presidente Getúlio Vargas. Ela entrega a Vargas um memorial com mais de 5.000 assinaturas, que pleiteava a indicação da líder feminista Bertha Lutz como uma das participantes da comissão que deveria elaborar o anteprojeto da nova Constituição Brasileira. Pouco mais de uma semana, porém, irrompe em São Paulo a Revolução Constitucionalista e todas as atenções são dirigidas ao conflito. Em 27 de outubro de 1932, três semanas após o fim das hostilidades, a comissão do anteprojeto, composta por 23 componentes seria nomeada por Getúlio Vargas, que cumpria assim sua promessa, nomeando não só Bertha Lutz, mas também Nathércia da Cunha Silveira.

O alistamento eleitoral foi realizado no Brasil inteiro. Em alguns Estados o número de mulheres que havia se inscrito ficou aquém do esperado. A motivação era pouca, mas havia exemplos dignificantes, como o caso da moradora de Itabira, em Minas Gerais, Virgínia Augusta de Andrade Lage, que fez questão de se inscrever perante a justiça apesar de contar com a avançada idade de 99 anos.

Eleita a primeira deputada brasileira

Em 3 de maio de 1933, na eleição para a Assembléia Nacional Constituinte, a mulher brasileira pela primeira vez, em âmbito nacional, votaria e seria votada, e caberia a primazia de ser eleita à médica paulista Carlota Pereira de Queiróz, a primeira deputada brasileira, que havia se notabilizado como voluntária na assistência aos feridos durante a Revolução Constitucionalista. Seria reeleita em 1934. Ainda nessa legislatura tomaria posse a segunda deputada brasileira, a bióloga e advogada Bertha Lutz - tinha sido também a segunda mulher a ingressar nos quadros do serviço público brasileiro em 1919 - , que assumiria a cadeira na Câmara Federal em julho de 1936, quando do falecimento de um deputado. Uma representante classista, Almerinda Farias Gama, seria indicada pelo Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos e pela Federação do Trabalho do Distrito Federal para a Câmara Federal.

Com a promulgação da Constituição de 1934, a idade mínima para o exercício do voto seria alterada para 18 anos, mantida até o advento da Constituição de 1988, que facultou para os maiores de 16 anos o direito ao voto. A legislação eleitoral vigente, garante às mulheres brasileiras a participação efetiva nas eleições, obrigando os partidos políticos a apresentarem em suas chapas proporcionais a cota mínima de 30% de candidatas.

No ano de 1934, foram realizadas eleições em todo o país. Na cidade de São João dos Patos, no Maranhão, Joanna da Rocha Santos, do PSD, seria eleita prefeita por todos os 800 eleitores do município. Em vários Estados da federação as mulheres obtiveram êxito para as Assembléias Legislativas. Em Santa Catarina, a professora Antonietta de Barros, seria a primeira mulher eleita deputada naquele Estado, sendo também a primeira mulher negra eleita em todo o Brasil. Em Alagoas seria eleita a médica Lili Lages. Na Bahia, assumiria em 1935, a advogada Maria Luíza Bittencourt. No Rio Grande do Norte, Maria do Céu Pereira Fernandes. Em São Paulo, duas mulheres foram eleitas, Maria Thereza Nogueira de Azevedo, diretora da Associação Cívica Feminina e Maria Thereza Silveira de Barros Camargo. Posteriormente, assumiria também a professora Francisca (Chiquinha) Pereira Rodrigues. A democracia brasileira seria efêmera, já que, em 10 de novembro de 1937, pelo golpe do Estado Novo, todo o Poder Legislativo seria extinto por quase 10 anos.

Conceição da Costa Neves: cinco vezes deputada

Em 1947, em São Paulo, apenas uma única mulher seria eleita: Maria Conceição da Costa Neves (1908/1989), foi atriz de comédia da Companhia Procópio Ferreira, com o nome artístico de Regina Maura. No período de 1943/45, durante a Segunda Guerra Mundial, foi diretora da Seção Paulista da Cruz Vermelha Brasileira e fundadora da Associação Paulista de Assistência aos doentes da Lepra. Foi casada com médico Matheus Santamaria. Conceição da Costa Neves, seria reconduzida mais cinco vezes ao cargo na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, até ter seus direitos políticos cassados pelo AI-5, em 1969. Foi a primeira mulher a assumir a presidência de uma Assembléia Legislativa em todo o Brasil.

O Palácio 9 de Julho, sede do legislativo paulista conta na atual legislatura com dez mulheres, dentre 94 deputados.

Com a volta da democracia em 1945, nenhuma mulher seria eleita para o Congresso Nacional. Nas eleições de 3 de outubro de 1950, elegeu-se deputada federal Ivete Vargas, do PTB de São Paulo, a única mulher na Câmara Federal, que contava apenas 23 anos de idade. Reeleita mais 4 vezes, (legislaturas: 1951-1955, 1955-1959, 1959-1963, 1963-1967 e 1967-1971) e também cassada pelo Regime Militar, no ano de 1969. Voltaria à Câmara Federal no ano de 1983, mas faleceria pouco depois.

Maior número de cadeiras ocupadas por mulheres

Atualmente a Câmara Federal é composta por 44 mulheres, o maior número na história do parlamento, de um total de 513 cadeiras.

A primeira mulher a ocupar uma cadeira como senadora da República foi Eunice Michiles, paulista de nascimento, que assumiu após o falecimento do senador João Bosco de Lima, da Arena do Amazonas, de quem era suplente, em 1979. Somente nas eleições de 3 de outubro de 1990 é que, por voto direto, as mulheres conquistariam seu lugar no Câmara Alta, quando foram eleitas senadoras, Júnia Marise, PRN de Minas Gerais e Marluce Pinto, PTB de Roraima.

No Senado Federal de 81 vagas, 10 são ocupadas por mulheres.

No limiar do terceiro milênio, mais que nunca se faz imprescindível e vital, no mundo e no Brasil, a ampliação da efetiva participação das mulheres na vida política, não apenas como eleitoras, mas principalmente como ocupantes eleitas de todos os cargos.

A conquista do voto, fruto da coragem, tenacidade e sacrifícios, já foi uma demonstração admirável do quanto podem e do quanto valem. O desempenho dos mandatos, embora ainda em número muito aquém do que a sociedade necessita, só tem revelado que as mulheres, acima da média dos homens, sabem tratar com capacidade, responsabilidade e amor a coisa pública.

Mulheres na Assembléia Legislativa de São Paulo

Para a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, foram eleitas as seguintes mulheres, a partir de 1947:

Conceição da Costa Neves - PTB/MDB - 1947 a 1969

Zuleika Alambert - PCB - 1947-1948

Tereza Delta - PTB - 1951 a 1955

Dulce Salles Cunha Braga - Arena/PDS - 1967 a 1979. Seria a primeira mulher paulista a assumir como senadora, no ano de 1982.

Theodosina Rosário Ribeiro - MDB/PDS - 1971 a 1983

Irma Rosseto Passoni - MDB/PT - 1979 a 1983

Nodeci Nogueira - MDB/PDS - 1979 a 1983

Crolinda Costa Silveira Sampaio - PTB - 1983 a 1987

Maria Ruth dos Santos (Ruth Escobar) - PMDB - 1983 a 1991

Clara Levin Ant - PT - 1987 a 1991

Eni Luiza Galante - PMDB - 1987 a 1991

Erci Aparecida Martinelli de Lima Ayala - PMDB - 1987 a 1991

Guiomar Namo de Mello - PMDB/PSDB - 1987 a 1991

Luiza Erundina de Souza - PT - 1987 a 1991

Telma Sandra Augusto de Souza - PT - 1987 a 1991

Beatriz Pardi - PT - 1991 a 1999

Célia Camargo Leão Edelmuth - PSDB - 1991 a 2007

Roseli Thomeu - PMDB - 1991 a 1995

Rosmary Corrêa - PMDB/PSDB - 1991 a 2007

Célia Sueli Artacho - Prona/PTB - 1995 a 1999

Elza Sophia Tank Moya - PMDB/PTB - 1995 a 1999

Maria Cecília Passarelli - PFL - 1995 a 1999

Maria do Carmo Thomaz Piunti - PMDB/PSDB - 1987/1988 e 1995 a 2003

Edna Bezerra Sampaio Fernandes (Edna Macedo) - PPR/PTB - 1995 a 2003

Maria Lucia Prandi - PT - 1995 a 2007

Mariângela de Araújo Gama Duarte - PT - 1995 a 2003

Terezinha de Jesus Morais Vasconcelos Silva (Terezinha da Paulina) - PFL - 1995 a 2003

Edir Sales - PL - 1999-2003

Ana Maria do Carmo Rosseto - (PT) - 2003/2007

Mônica Becker de Almeida - (PMDB) - 2003

Anna Maria Martins Soares - (PC do B) - 2003/2007

Analice Fernandes - (PSDB)- 2003/2007

Elisabeth Sahão - (PT) - 2003/2007

Havanir Tavares de Almeida Nimtz - (PRONA) - 2003/2007

Maria Almeida Dantas - (PTN/PFL) - 2003/2007

Maria Lucia Amary - (PSDB) - 2003/2007

*Antônio Sérgio Ribeiro é advogado, pesquisador e funcionário da Secretaria Geral Parlamentar da Alesp.

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