Opinião / Breves considerações sobre o sequestro-relâmpago


07/04/2009 18:21

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De acordo com o art. 157, § 2º, inciso V, do Código Penal, a pena aumenta de um terço até a metade se, no crime de roubo, o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo a sua liberdade. Tal inciso foi acrescentado pela Lei 9.426, de 24/12/1996, objetivando aumentar a reprimenda do chamado sequestro-relâmpago, modalidade bastante comum na atualidade e que não contava com repressão adequada.

Ocorre que, embora tenha sido a intenção da lei sancionar com maior rigor tal prática, referida causa de aumento não poderá ser aplicada ao sequestro-relâmpago. Isso porque na hipótese em que o ladrão conduz a vítima até caixas eletrônicos e a constrange a entregar-lhe o cartão magnético e a fornecer-lhe a senha, a fim de sacar o numerário, resta verificado o crime de extorsão, uma vez que é imprescindível a atuação do sujeito passivo do ataque patrimonial para a obtenção da vantagem indevida pelo autor. Nesse sentido, argumenta Damásio E. de Jesus: "A extorsão se assemelha ao roubo em face dos meios de execução, que são a violência física e a grave ameaça. Os dois crimes, entretanto, diversificam-se: na extorsão é imprescindível o comportamento do sujeito passivo imediato, enquanto no roubo ele é dispensável. Como se tem entendido, "na extorsão o agente não pode realizar o escopo útil a que se propôs a não ser passando pelo trâmite de um comportamento da vítima, comportamento esse que pode ser negado sem que o autor possa superar a negativa" (Julgados do TACrim SP, 77:264). Assim, no assalto, é irrelevante que a coisa venha a ser entregue pela vítima ("tradição") ao agente ou que este subtraia ("apreensão"). Trata-se de roubo. Constrangido o sujeito passivo, a tradição do bem não pode ser considerada ato livre voluntário, tornando tal ação de nenhuma importância no plano jurídico (RT, 718:429). A entrega pode ser dispensada pelo autor do fato. Já no chamado "sequestro-relâmpago" [...], o apoderamento do objeto material depende necessariamente da conduta da vítima, fornecendo ao agente seu cartão magnético bancário e a senha. Sem este comportamento, torna-se impossível a obtenção do proveito ilícito" (cf. artigo publicado em Phoenix, nº 21, órgão informativo do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, agosto de 2000).

Conclui-se, assim, que, no roubo, o agente subtrai ou a vítima lhe entrega o bem, isto é, não existe um comportamento que somente o sujeito passivo possa praticar; na extorsão, ao contrário, só o ofendido pode realizar a ação em benefício do autor, como, por exemplo, assinar uma escritura, digitar uma senha etc. Desse modo, na hipótese em testilha, o comportamento da vítima faz-se imperioso, pois a revelação da senha do cartão magnético é ato que somente ela pode realizar. Não se trata, portanto, de subtração e, por conseguinte, não se pode falar na prática de roubo.

Tendo em vista que o fato descrito não configura o crime de roubo na forma majorada, como ficou a repressão do sequestro, já que o art. 158 não o prevê como causa especial de aumento? Infelizmente, a momentânea privação da liberdade da vítima como meio executório do delito não dará azo à incidência de qualquer causa especial de aumento de pena, nem poderá configurar crime autônomo, pois, em face do princípio da consunção, restará absorvida pela extorsão, como fase normal de sua execução (crime-meio). Diante disso, em que pese a boa intenção do legislador, o sequestro-relâmpago ficou de fora. Restará, no entanto, a punição do sequestro, quando praticado depois da extorsão, sem que a restrição da liberdade da vítima seja necessária para a consumação do crime, operando-se, no caso, o concurso material de delitos (nesse sentido, ver Fernando Capez, Curso de direito penal, vol. 2, Editora Saraiva, 2008, pp. 462/464).

Percebe-se que, infelizmente, a modificação legislativa não teve o condão de surtir os efeitos almejados, pois o sequestro acabou por não constituir circunstância apta a agravar a pena desse delito que tem provocado efeitos tão nefastos para o patrimônio, a vida e a própria saúde mental dos cidadãos, os quais ficam aturdidos, igualmente, com o constante temor de, a qualquer momento, virem a ser vítimas de prática criminosa tão odiosa e repugnante.

Na tentativa de solucionar o problema, recentemente, o Plenário do Senado Federal, em sessão realizada em 24/3/2009, aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei 54/2004, que tipifica o crime de sequestro-relâmpago. Dessa forma, a proposta acrescentou um terceiro parágrafo ao art. 158 do Código Penal, cujo teor é o seguinte: "Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 158, §§ 2º e 3º, respectivamente". O projeto será submetido à sanção do presidente da República.



*Fernando Capez é procurador de Justiça licenciado, deputado estadual e presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. É mestre em direito pela USP, doutor pela PUC/SP, professor da Escola Superior do Ministério Público e de cursos preparatórios para carreiras jurídicas.

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