Ao ver as propagandas comemorativas do aniversário da Petrobras lembro-me de uma crônica de Monteiro Lobato contando os primeiros momentos da empresa de exploração de petróleo criada por ele. Conta o escritor que, para enfrentar as dificuldades de financiamento da empresa, resolveram abrir subscrições públicas para levantar recursos.Lobato percorria o país fazendo conferências, tentando convencer as pessoas, não sem enfrentar dura resistência. O entusiasmo da população era grande, mas os próprios envolvidos no empreendimento faziam questão de seguir com rigor a ética e advertiam cada comprador dos riscos envolvidos na operação, as dificuldades que se teria de enfrentar, a possibilidade inclusive do investimento ser perdido. Em uma das ocasiões, entra no escritório um homem negro, trajado com simplicidade, dizendo que queria comprar algumas ações da companhia. Lobato e os demais tentam convencê-lo a desistir, com o discurso mencionado, mas ele insiste e diz que assim mesmo quer fazer a compra.Perguntam então quantas ações ele quer, imaginando que se trata de uma quantia pequena, mas o homem menciona uma quantia alta, referente a diversos contos de réis. Eles se assustam e o homem diz que aquele é o dinheiro que ele e a esposa economizaram a vida toda. Novamente insistem para que ele desista, falam da possibilidade de perder tudo e o homem diz que não se importa.Perguntam para ele, então, porque ele quer comprar as ações, imaginando algum impulso de jogatina ou de avareza, mas fazem um respeitoso silêncio de admiração e pasmo quando o homem responde: "Compro porque quero ajudar o Brasil!"Em uma situação na qual a grande maioria dos que tinham o poder e o dinheiro não apenas recusam-se a ajudar como se envolvem em mil estratégias para desacreditar a empresa de Lobato - em grande parte devido a lobby norte-americano que existia na época contra a exploração de petróleo no país - aquele homem entregava o pouco que havia juntado às custas de sacrifícios e privações para ajudar o país. Lobato diz que, depois daquele dia, viabilizar a exploração de petróleo passou a ser um desafio, ao menos para que pudesse encarar aquele homem patriótico e generoso, porque só isto já teria feito o esforço valer a pena.Cada um que aceita um cargo público deveria também pensar um pouco nesta história, refletir sobre a necessidade de contribuir para ajudar o país mais do que para obter vantagens. A função pública não pode ser vista de modo diferente deste encargo de servir a sociedade e por ela fazer sacrifícios.Há em cada cidade milhares de indivíduos como aquele, pagando seus impostos, trabalhando, preocupados em escolher os melhores nomes nas eleições, dispostos a muitos sacrifícios para ajudar o país. Percebe-se a sinceridade das intenções e o propósito das ações de quem se propõe realizar projetos que possam melhorar o Brasil, o estado e a cidade.Libertar este potencial de esforço coletivo é tarefa mais difícil do que parece. O Fome Zero, por exemplo, deu uma demonstração bem clara de uma situação inversa: inúmeras pessoa, com a mesma dedicação do personagem da crônica, dispuseram-se a ajudar o país, e um clima geral de solidariedade e esperança animou a Nação. Mas todo este espírito positivo naufragou porque, ao contrário de Lobato, a interface do governo com a sociedade não teve a mesma sensibilidade, nem sentiu dentro de si o mesmo apelo, o de que este envolvimento da população obrigava-o a se empenhar ainda mais para que a idéia funcionasse.*Ary Fossen (PSDB) é deputado estadual, integrante da Comissão de Representação que acompanha a execução do Fome Zero em São Paulo e 2o. Vice-Presidente da Assembléia Legislativa.