O comprador de ações e o Fome Zero

OPINIÃO - Ary Fossen *
21/10/2003 18:18

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Ao ver as propagandas comemorativas do aniversário da Petrobras lembro-me de uma crônica de Monteiro Lobato contando os primeiros momentos da empresa de exploração de petróleo criada por ele. Conta o escritor que, para enfrentar as dificuldades de financiamento da empresa, resolveram abrir subscrições públicas para levantar recursos.

Lobato percorria o país fazendo conferências, tentando convencer as pessoas, não sem enfrentar dura resistência. O entusiasmo da população era grande, mas os próprios envolvidos no empreendimento faziam questão de seguir com rigor a ética e advertiam cada comprador dos riscos envolvidos na operação, as dificuldades que se teria de enfrentar, a possibilidade inclusive do investimento ser perdido.

Em uma das ocasiões, entra no escritório um homem negro, trajado com simplicidade, dizendo que queria comprar algumas ações da companhia. Lobato e os demais tentam convencê-lo a desistir, com o discurso mencionado, mas ele insiste e diz que assim mesmo quer fazer a compra.

Perguntam então quantas ações ele quer, imaginando que se trata de uma quantia pequena, mas o homem menciona uma quantia alta, referente a diversos contos de réis. Eles se assustam e o homem diz que aquele é o dinheiro que ele e a esposa economizaram a vida toda. Novamente insistem para que ele desista, falam da possibilidade de perder tudo e o homem diz que não se importa.

Perguntam para ele, então, porque ele quer comprar as ações, imaginando algum impulso de jogatina ou de avareza, mas fazem um respeitoso silêncio de admiração e pasmo quando o homem responde: "Compro porque quero ajudar o Brasil!"

Em uma situação na qual a grande maioria dos que tinham o poder e o dinheiro não apenas recusam-se a ajudar como se envolvem em mil estratégias para desacreditar a empresa de Lobato - em grande parte devido a lobby norte-americano que existia na época contra a exploração de petróleo no país - aquele homem entregava o pouco que havia juntado às custas de sacrifícios e privações para ajudar o país. Lobato diz que, depois daquele dia, viabilizar a exploração de petróleo passou a ser um desafio, ao menos para que pudesse encarar aquele homem patriótico e generoso, porque só isto já teria feito o esforço valer a pena.

Cada um que aceita um cargo público deveria também pensar um pouco nesta história, refletir sobre a necessidade de contribuir para ajudar o país mais do que para obter vantagens. A função pública não pode ser vista de modo diferente deste encargo de servir a sociedade e por ela fazer sacrifícios.

Há em cada cidade milhares de indivíduos como aquele, pagando seus impostos, trabalhando, preocupados em escolher os melhores nomes nas eleições, dispostos a muitos sacrifícios para ajudar o país. Percebe-se a sinceridade das intenções e o propósito das ações de quem se propõe realizar projetos que possam melhorar o Brasil, o estado e a cidade.

Libertar este potencial de esforço coletivo é tarefa mais difícil do que parece. O Fome Zero, por exemplo, deu uma demonstração bem clara de uma situação inversa: inúmeras pessoa, com a mesma dedicação do personagem da crônica, dispuseram-se a ajudar o país, e um clima geral de solidariedade e esperança animou a Nação.

Mas todo este espírito positivo naufragou porque, ao contrário de Lobato, a interface do governo com a sociedade não teve a mesma sensibilidade, nem sentiu dentro de si o mesmo apelo, o de que este envolvimento da população obrigava-o a se empenhar ainda mais para que a idéia funcionasse.

*Ary Fossen (PSDB) é deputado estadual, integrante da Comissão de Representação que acompanha a execução do Fome Zero em São Paulo e 2o. Vice-Presidente da Assembléia Legislativa.

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