OS NEGÓCIOS DA SAÚDE - OPINIÃO

Milton Flávio*
21/07/2000 16:35

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A grande maioria dos brasileiros conta única e exclusivamente com os serviços públicos de saúde. Apenas cerca de 40 milhões de pessoas dispõem de um contrato com empresas privadas. Mesmo esses cidadãos, que supostamente estariam protegidos, cedo ou tarde, acabam se valendo do SUS, visto que as companhias de plano ou seguros, premidas pela forte concorrência, aumento crescente dos custos (em especial os de natureza administrativa) e retração do mercado, estão limitando o número de consultas, exames e tratamentos, sem falar do achatamento dos honorários médicos e diárias hospitalares.

Em outras palavras: é como se uma multidão de pessoas pagasse, mensalmente, ao longo de anos, por algo que nunca vai ter. Na hora agá, diante dos casos mais complexos, o sujeito acaba tendo que pagar por fora, ou correr para a rede pública. E o que é pior: as empresas não reembolsam o Estado pelo atendimento aos seus segurados.

Em junho, 39 associações representativas dos profissionais do setor lançaram uma campanha cujo slogan era: "Tem plano de saúde que enfia a faca em você. E tira o sangue dos médicos. Chega de desrespeito." A exemplo do que já acontece nos Estados Unidos - de quem, para variar, copiamos o modelo segundo o qual doenças são sinônimo de negócios e que, portanto, devem render bons lucros -, cresce entre nós a certeza de que, mais do que nunca, é preciso fortalecer o setor público, a fim de que todos os cidadãos tenham, de fato, o direito amplo, geral e irrestrito à saúde, conforme o estabelecido na Constituição Federal de 1988.

Dados recentemente divulgados mostram que os Estados Unidos - a maior economia do mundo, com um PIB de US$ 8 trilhões - ocupam o 37.º lugar no ranking da Organização Mundial de Saúde (OMS), muito atrás da Itália e França. Registre-se que, entre todos os países, os Estados Unidos são o que mais destina recursos ao setor, o equivalente a 14% do PIB, contra cerca de 10% da Itália e França. A diferença é que, nesses dois países europeus, cabe ao Estado tratar da prevenção e do tratamento das doenças que atingem a sociedade, e não ao mercado.

Não se trata de declarar guerra às empresas operadoras dos planos de saúde, mas, sim, de se lutar pelo fortalecimento do setor público. E isso passa pela aprovação da PEC (proposta de emenda constitucional) que obriga a União, Estados e municípios a injetar mais recursos no setor. A matéria, que já foi aprovada pela Câmara dos Deputados, deverá ser votada pelo Senado, em segunda e última discussão, no início de agosto. Se for aprovada, como tudo indica que o será, estima-se que, nos próximos quatro anos, o setor receberá verbas adicionais da ordem de R$ 4 bilhões.

Por propor a vinculação entre receitas e despesas, a PEC tem sido alvo de críticas. Alega-se, por exemplo, que sua aprovação implicará o engessamento dos orçamentos públicos. Isso de fato ocorrerá. Mas é um preço a ser pago, até que se equacione, de uma vez por todas, a questão relativa à partilha dos encargos públicos e às formas de tributação, duas faces de uma mesma moeda. Ressalte-se, ainda, o fato de que a PEC abre a possibilidade de rediscussão da vinculação e dos percentuais a serem destinados por Estados e municípios após cinco anos de sua implantação. Ela pode não ser a melhor solução para o problema da saúde pública, mas é a solução possível neste momento.

*Milton Flávio é deputado estadual pelo PSDB, líder do governo na Assembléia Legislativa de São Paulo e professor da Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu.

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