Em Roma, o presidente Luiz Inácio foi à hóstia sem prévia confissão dos seus pecados. E o cidadão Lula da Silva tratou logo de justificar o episódio: "Sou um homem sem pecados". É possível que Sua Excelência, atrapalhado pela longa viagem e mudança do fuso horário, tenha se deixado levar pelo coro dos inúmeros fiéis que não se cansavam de gritar: "Santo, santo, santo". Em homenagem a João Paulo II. Manifestações daquela grandeza costumam mesmo alterar o juízo de quem as assiste ou delas participa, emocionantes que são. Seja como for, não há como negar que o presidente foi infeliz. De saída, cometeu um dos sete pecados capitais " o da soberba. E o pior é que aquilo não foi um fato isolado. Quem se dispõe a acompanhar o noticiário político não ignora que Sua Excelência nunca primou pela humildade. Se um dia a teve, ela deve estar bem enterrada numa cova rasa em Garanhuns, sua terra natal. É raro o dia em que ele não se compromete a acabar com a fome no mundo e a mudar a geografia econômica do planeta. Não passa semana sem que ele diga que, em dois anos, sua gestão já fez muito mais do que foi feito pelo povo pobre em 502 anos de História, que está ensinando a todos como se governa etc. Delírio? Desinformação? A soberba, porém, parece não ser é o único pecado capital do presidente. Basta olhar para sua silhueta arredondada para constatar que a gula também o acompanha " e não é de hoje! Pior ainda é a gula que norteia sua ação político-administrativa. Bastou chegar ao Palácio do Planalto para promover um aparelhamento do Estado brasileiro como jamais se vira até então. A esmagadora maioria dos cargos em comissão " os que já existiam e os que ele tratou de criar " está ocupada pelos seus companheiros de partido, ainda que muitos deles não tenham qualquer qualificação para os cargos que ocupam. Essa é uma história de conhecimento geral e que explica em grande parte a inoperância da atual administração. Não tenho elementos para saber se Sua Excelência tem acessos de avareza, ira e luxúria. É possível que sim. Afinal, salvo engano e até prova em contrário, por mais que isso o irrite, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é humano. Daí ele se deixar levar por outro dos sete pecados capitais: o da preguiça. E não sou eu quem diz isso. Não há quem ignore a ojeriza que ele nutre pelo trabalho sistemático, por aquele que deveria levá-lo à análise séria de relatórios, à cobrança de resultados administrativos, à busca, enfim, de informações que o trouxessem de volta ao mundo real, ao qual ele, a exemplo do personagem de Cervantes, já não mais pertence. Há tempos. É certo que nenhum outro presidente da República viajou tanto quanto ele nem fez tantos e tão longos discursos. É igualmente verdadeiro que, pelo decolar e pousar de seu avião, tudo indica que em quatro anos de mandato ele terá viajado muito mais que João Paulo II em 26 anos de pontificado. A exemplo de Sua Santidade, Sua Excelência fala em salvar o mundo. A diferença é que João Paulo II sempre acreditou que a salvação virá pela fé em Cristo e nos seus ensinamentos. Lula da Silva crê firmemente que a humanidade será salva, desde que adote idéias como o programa "Fome Zero". Que elas não tenham dado certo por aqui é detalhe que pode ser explicado, por exemplo, por Duda Mendonça, seu idealizador. É provável que Lula da Silva, ao se definir como "um homem sem pecados", tivesse tocado pela emoção e disposto a dar uma resposta ao arcebispo do Rio de Janeiro, que, dia antes, o chamara de "caótico" em vez de "católico". Mas que aquele coro "Santo, santo" mexeu com seus brios, não há dúvida. Em tempo: o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, terceiro na linha sucessória da República, diz ser um homem "de poucos pecados". Por isso, ainda não se confessou neste ano, por não ter sentido "necessidade". Ao menos, é mais modesto. Milton Flávio (PSDB-SP) é deputado estadual e professor de Urologia da Faculdade de Medicina da Unesp (Botucatu) miltonflavio@al.sp.gov.br