Humanização da saúde e inclusão social devem andar juntas

Entrevista: Deputada Analice Fernandes
11/03/2004 18:25

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Da Redação

Analice Fernandes, 41 anos, enfermeira, nasceu em Jales. Estudou enfermagem na PUC-Campinas e fez complementação em Saúde Pública. Recém-formada, a enfermeira Analice ingressou no serviço público federal como enfermeira do Hospital Infantil Darcy Vargas (INAMPS).

Analice deixou o Darcy Vargas para enfrentar aquele que ela considera, até hoje, um dos grandes desafios de sua vida: estruturar a rede de saúde pública de Taboão da Serra, na Grande São Paulo. Quando chegou em Taboão, que hoje tem uma população de quase 200 mil habitantes, a cidade não possuía sequer uma maternidade. Ao lado de seu marido, Fernando Fernandes, médico, que na época era vice-prefeito, conseguiu criar a rede municipal de atendimento em saúde.

Hoje Taboão da Serra tem 8 Unidades Básicas de Saúde, um Pronto-Socorro e a sua tão sonhada Maternidade. A rede pública de Taboão oferece 16 programas de saúde, entre eles o Programa de Saúde da Família e o PID - Programa de Internação Domiciliar. "O PID", costuma dizer a deputada, "é a versão taboanense do home care, muito melhor, de graça e com um nome mais fácil".

Analice Fernandes assumiu a Secretaria do Bem-Estar Social durante o período em que Fernando foi prefeito da cidade. Ela deixou a Secretaria em abril deste ano para candidatar-se a deputada estadual, e hoje cumpre seu primeiro mandato na Assembléia Legislativa.

Ela tem duas explicações para a mudança de rumo de sua atividade profissional. A primeira, é uma questão de vocação. Para ela, quem escolhe a enfermagem é porque tem vocação para cuidar de pessoas, e promoção social nada mais é do que cuidar das pessoas, mas de forma coletiva. A segunda explicação está no cotidiano de uma das regiões mais complexas do mundo, que é a Região Metropolitana de São Paulo.

O trabalho de AnaliceFernandes frente à Secretaria do Bem-Estar Social de Taboão da Serra seguiu a mesma linha do que havia sido implantado na saúde. Ela criou o sistema público municipal de promoção social de Taboão da Serra. "Antes promoção social se resumia à distribuição de cesta básica. Hoje nós temos mais de 12 programas para atender vários segmentos da população, inclusive o de distribuição de cestas básicas, mas apenas como medida emergencial".

A enfermeira, que não quis ser primeira-dama, quer ser deputada estadual para fazer em todas as cidades o que foi feito em Taboão. Para ela, falta no Parlamento paulista um parlamentar que faça o ajuste das políticas públicas oferecidas pelo Estado à realidade dos municípios. E isso não se limita apenas às áreas da saúde e da promoção social, mas abrange todos os setores nos quais o serviço público é essencial. "Na saúde, a ordem do momento é humanizar; na promoção social, a palavra-chave é inclusão social; por que não estender esses conceitos para todas as áreas do serviço público?", questiona Analice.

Diário da Assembléia: Qual sua perspectiva em relação à formação de um grupo de mulheres deputadas? E quanto à semana da mulher na ALESP?

Deputada Analice Fernandes: Primeiro, é preciso deixar claro que a criação da bancada feminina já é uma expressão do desejo da sociedade de ver as mulheres ocupando cada vez mais espaço na vida política do Estado. Nesse sentido, a bancada deve trabalhar para oferecer respostas, ações e soluções. Seu caráter suprapartidário vai contribuir muito para isso, pois sabemos que cada partido tem suas diretrizes próprias para as questões de gênero e o debate em torno dessas diferentes idéias e concepções certamente irá qualificar o nosso trabalho. A Semana da Mulher, como primeira atividade deste grupo, é um marco na luta pela igualdade, porque traz para o Parlamento a cultura da defesa dos direitos femininos.

D.A.: Em sua opinião, o que pode ser feito para aumentar a representação feminina nas casas legislativas?

A.F.: Acredito que, em termos de instrumentos jurídicos, a questão está praticamente resolvida com a criação do sistema de cotas. O que precisa ser feito é oferecer às mulheres as condições reais para o exercício da vida pública. Isso significa ampliar e melhorar os equipamentos sociais, por exemplo. Enquanto mulheres tiverem que trabalhar preocupadas porque não têm com quem deixar seus filhos, fica muito difícil exigir delas uma vida política mais intensa. Seria mais um papel a desempenhar, mais trabalho. Então, um grande estímulo seria melhorar o dia a dia das mulheres. Outro aspecto é o trabalho desenvolvido pelos partidos. O PSDB, por exemplo, ministra cursos de formação para as mulheres com os objetivo de levá-las à disputa eleitoral. A participação feminina na vida política do País é uma história que está sendo escrita a cada eleição, embora ainda esteja nos primeiros capítulos - afinal de contas, só começamos a ter o pleno direito a voto em 1946.

D.A.: Qual o grau de avanço que o país vem obtendo nos direitos femininos em relação a outros países? Falta muito a ser feito?

A.F.: A comparação entre países é perigosa, porque devem ser levados em conta os aspectos culturais, sociais e econômicos de cada um. Mas, no geral, o Brasil avançou bastante durante o governo de Fernando Henrique. Isso porque as políticas públicas nas áreas de saúde e educação foram bem sucedidas e o universo das mulheres acabou sendo o maior beneficiado. Esse é, aliás, um traço dos governos do PSDB. Aqui em São Paulo o governador Geraldo Alckmin já adotou a agenda da nossa bancada.

D.A.: A condição feminina está ligada à condição sócio-econômica? Em que medida?

A.F.: A partir do momento em que sabemos que as mulheres ainda ganham salários menores do que os homens no desempenho das mesmas funções, fica atestado que a condição feminina está, sim, ligada à condição sócio econômica. É necessário ter esse entendimento para que a luta das mulheres seja direcionada para seus aspectos fundamentais. E tem ainda um outro aspecto, que é a mulher como geradora de melhor condição sócio econômica. A política pública que tive a oportunidade de desenvolver em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, com o projeto Lado a Lado, mostrou que se o poder público oferece condições de desenvolvimento social para a mulher não é apenas a vida dela que melhora, e sim a vida de todo o núcleo familiar, ou seja, a mulher multiplica. Uma política pública bem aplicada é a melhor alternativa para a mulher da periferia dos grandes centros. Procurei trazer esse exemplo aqui para esta casa, quando escolhi Rosa Maria Pereira como a minha homenageada na sessão solene do último dia 08, o Dia Internacional da Mulher. Rosa era empregada doméstica desde os 9 anos de idade. Entrou para o projeto Lado a Lado e fez o curso de cabeleireira e manicure. Com seu diploma, ela mudou a história da sua vida e da vida das suas cinco filhas. Duas delas, inclusive, têm curso superior. De empregada, Tia Rosa, como carinhosamente a chamamos, passou a ser empreendedora. Tem seu próprio salão de beleza e é monitora do projeto. Esse patrimônio ninguém mais vai tirar dela.

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