80 anos de rádio no Brasil

Antônio Sérgio Ribeiro*
16/05/2003 18:18

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Há exatos 80 anos era fundada a primeira emissora de rádio do Brasil, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

As primeiras experiências com o rádio no Brasil foram realizadas em 7 de setembro de 1922, durante a exposição do Centenário da Independência no Rio de Janeiro. Para estas festividades, foram trazidas dos Estados Unidos duas pequenas emissoras usadas somente a título de teste. Nesse dia, o presidente Epitácio Pessoa discursou do recinto da exposição e, à noite, foi ao ar, diretamente do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a ópera o Guarani de Carlos Gomes. No dia seguinte, o jornal carioca A Noite noticiou o fato:



Um sucesso da radio-telephonia e telephone alto-falante



Uma nota sensacional do dia de ontem foi o serviço de radio-telephonia e telephone alto-falante, grande attractivo da Exposição. O discurso do Sr. Presidente da República, inaugurando-o, certamente foi, assim, ouvido no recinto da Exposição, Nictheroy, Petrópolis e em São Paulo, graças à instalação de uma possante estação transmissora no Corcovado e de aparelhos de transmissão e recepção nos logares acima.

Um dos presentes apaixonou-se por essa demonstração radiofônica, seu nome: Edgard Roquette-Pinto, que seria o patrono do rádio brasileiro. Em depoimento anos depois ele lembraria:

"É que durante a exposição do centenário da Independência, em 1922, muito pouca gente se interessou pelas demonstrações experimentais da radiotelefonia, então realizadas pelas companhias norte-americanas Westinghouse, na estação do Corcovado e Western Electric na Praia Vermelha, muito pouco se interessou creio que a causa principal desse desinteresse foram os altos falantes instalados na exposição, ouvindo discursos e músicas reproduzidos no meio de um barulho infernal, tudo rofenho, distorcido, arranhando os ouvidos. Era uma curiosidade sem maiores conseqüências..."

" No começo de 1923, desmontava-se a estação do Corcovado, e a da Praia Vermelha ia seguir o mesmo destino se o governo não a comprasse. O Brasil ia ficar sem radio... Ora eu vivia angustiado com essa historia, porque já tinha a convicção profunda do valor informativo e cultural do sistema desde que ouvida as transmissões do Corcovado, meses antes conforme já marquei mais de uma vez, mas uma andorinha não faz verão... Resolvi interessar a Academia de Ciências, era presidente o nosso querido mestre Henrique Morize e eu era secretário, e assim que nasceu a radio Sociedade do Rio de Janeiro no dia 20 de abril de 1923."



A primeira rádio brasileira, com o prefixo inicial SQE depois SQIA, foi instituída como sociedade com fins exclusivamente educacionais e culturais, tendo como signatários os membros da Academia Brasileira de Ciências, liderados pelo antropólogo, etnólogo, médico, escritor, ensaísta e professor Edgard Roquette-Pinto, e pelo presidente da referida academia e diretor do Observatório do Rio de Janeiro, Henrique Charles Morize. A fundação da rádio aconteceu na sala de Física da Escola Politécnica, no largo de São Francisco, na então Capital Federal. Mais de trezentos sócios efetivos e associados assinaram a ata de fundação. Havia, porém, um empecilho legal, uma norma que dificultava os cidadãos de possuírem aparelhos domésticos. Roquette-Pinto indicou como Presidente de Honra da emissora recém fundada o ministro da Viação e Obras Públicas, Francisco de Sá, que dias depois revogava a medida restritiva.



Sem fio

As primeiras experiências do sem fio, realizadas no Brasil, foram feitas pelo padre gaúcho Roberto Landell de Moura, que estudou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e cursou Ciências Físicas e Químicas em Roma. Em 1893, já construía seus inventos na cidade de Campinas. Suas patentes foram registradas em São Paulo no ano de 1900 e posteriormente, em 1904, nos Estados Unidos, que eram o telefone sem fio, telégrafo sem fio e um transmissor de ondas sonoras; apesar de sua primazia, não obteve o título da invenção desses aparelhos.

A primeira rádio do mundo foi a KDKA, da cidade de Pittsburgh, no Estado da Pensilvânia, Estados Unidos, quando, em 06 de novembro de 1920, entrou no ar para divulgar as eleições presidências, que deram a vitória ao candidato republicano Warren Harding.

Em 1º de Maio de 1923, foi ao ar a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Às 20h30, um dos associados, Cauby de Araújo, ao comunicar a fundação da rádio, anunciou a presença de Roquette-Pinto, que proferiu as seguintes palavras:

"(A partir de agora) todos os lares espalhados pelo imenso território do Brasil receberão livremente o conforto moral da ciência e da arte pelo milagre das ondas misteriosas que transportam, silenciosamente, no espaço, as harmonias."

No dia 19 de maio de 1923, foi realizada a instalação solene da emissora, oito dias depois da revogação do ato que proibia às residências possuírem aparelhos radiofônicos. A transmissão da emissora era realizada da Praia Vermelha com equipamento emprestado. Posteriormente, um sócio-fundador, M. B. Astrada, e representante da Casa Pekam, especializada em equipamentos de radiofonia, de Buenos Aires, doou uma pequena estação emissora e receptora de dez watts de potência.

O presidente Arthur Bernardes, no dia 20 de agosto de 1923, autorizou oficialmente o início das irradiações no Brasil, desde que para fins educativos. Em 7 de setembro, já utilizando um equipamento de um quilowatt, comprado da firma de Guglielmo Marconi, a emissora estava apta a ultrapassar os limites do então Distrito Federal e, assim, a Rádio Sociedade entrou definitivamente no ar, com o prefixo PRA-A, funcionando no pavilhão doado pela Tchecoslováquia por ocasião da Exposição Comemorativa do Centenário da Independência, em 1922, à rua Santa Luzia, em frente à Santa Casa de Misericórdia, no centro do Rio de Janeiro.

Em seu novo endereço, a rua da Carioca, 45, a Rádio Sociedade, em 1925, recebeu a visita ilustre do cientista Albert Einstein, quando de sua estada no Brasil.

O rádio teve um começo precário e de muita improvisação, não havia regulamentação sobre a veiculação de propaganda e, portanto, a sobrevivência das primeiras emissoras dependia exclusivamente da boa vontade das pessoas. A rádio era mantida por um grupo de amigos, com o pagamento de contribuição mensal, e por algumas firmas, através de empréstimo de discos e aparelhos. As transmissões eram de poucas horas por dia. Quando da fundação da segunda emissora carioca, a Rádio Clube do Brasil, a SQIB, em 1º de junho de 1924, pelo diretor-técnico da Rádio Sociedade, Elba Dias, que além de cultural entendia que o rádio deveria ser também comercial, tendo solicitado e autorizado a veicular propaganda das firmas que colaboravam nas realizações dos programas. Foi acordado que haveria um revezamento entre as Rádios Sociedade e Clube nas transmissões durante os dias da semana, não funcionando aos domingos.

Rádio jornal

No início tudo era feito com muito amadorismo, não existia programação. Coube a Roquette-Pinto a inauguração do primeiro rádio jornal, chamado por ele Jornal da Manhã. Roquette lia os jornais do dia, riscava e depois comentava as notícias ao microfone, nascendo, assim, o jornalismo radiofônico.

Em fins de 1923, foi constituída a Rádio Educadora Paulista, a primeira em todo o Estado de São Paulo, tendo à frente Frederico Vergueiro Steidel, seu primeiro presidente. No ano seguinte, com um pequeno transmissor de 100 watts, entrou no ar. Operava inicialmente na residência de um de seus diretores e depois em sua sede à rua Carlos Sampaio, perto da avenida Paulista. Posteriormente, por autorização do secretário de Estado da Agricultura, Gabriel Ribeiro dos Santos, foi instalada nas torres do Palácio das Indústrias, que se tornou mais tarde sede da Assembléia Legislativa do Estado. Por iniciativa do vereador Orlando de Almeida Prado, foi concedido pela Câmara Municipal de São Paulo um auxílio de 50 contos de réis à Sociedade Rádio Educadora Paulista.

Somente em 1928, foi inaugurada a segunda emissora de São Paulo, a Sociedade Rádio Record, que funcionou durante pouco tempo. Adquirida posteriormente por Paulo Machado de Carvalho, foi recolocada no ar em 11 de junho de 1931. Emissora de maior audiência em São Paulo, lançou a cantora Isaurinha Garcia como a sua representante máxima.

Hora do Brasil

Com a Revolução de 1930 e a posse de Getúlio Vargas, o rádio brasileiro se desenvolveria de fato. A assinatura do Decreto n.° 20.047 de 1931, que autorizou as emissoras a veicularem propaganda paga, ficando estabelecido, em contrapartida, que uma delas transmitiria o Programma Nacional, em cadeia pelas demais estações. O objetivo era integrar o país através das ondas do rádio, o que não acontecia até então. A cessão do horário para veiculação de divulgação governamental só seria implementada durante a Revolução Constitucionalista, em julho de 1932, com a necessidade de manter informada a população dos fatos que ocorriam, já que, através das emissoras paulistas, eram lidos discursos contra Getúlio Vargas e seu governo. Assim, as rádios cariocas foram requisitadas para divulgar as informações do serviço de publicidade da Imprensa Nacional e os comunicados da Chefatura de Polícia, horário que mais tarde seria denominado a Hora do Brasil, e, atualmente, A Voz do Brasil, sendo o programa oficial de rádio mais antigo do mundo.

Com o fim da Revolução Paulista, o rádio tomou um novo rumo, o locutor símbolo da epopéia Constitucionalista, César Ladeira, transferiu-se da Rádio Record para a Rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro, inaugurada em 1926. Sua ida para o então Distrito Federal criou o profissionalismo no rádio brasileiro, a começar com uma programação mais elaborada e a contratação de artistas exclusivos, que antes recebiam cachês. A primeira artista a assinar um contrato foi Carmen Miranda, A Pequena Notável, denominação dada pelo próprio César Ladeira. Sua carreira radiofônica teve início em 1929 e, pouco tempo depois, nos anos 30, tornou-se a cantora mais famosa do Brasil. Nos Estados Unidos fez um estrondoso sucesso, foi contratada pela 20th Century Fox realizando diversos filmes coloridos em Hollywood, o que a levaria para as telas do mundo inteiro, tornando-a um ícone dos Século XX.

Em 1935, o Brasil possuía 60 emissoras de rádio em 31 cidades de 11 Estados e um total de 200 mil aparelhos de rádio. Os Estados Unidos possuíam 20 milhões e a Inglaterra 6 milhões e 730 mil aparelhos. O número de rádios no Brasil era igual ao da cidade de Buenos Aires no ano de 1926.

Época de ouro

Grandes cantores surgiram nesse período denominado Época de Ouro da MPB, como Francisco Alves - O Rei da Voz, Silvio Caldas - O Caboclinho Querido, Gastão Formenti, Vicente Celestino, Carlos Galhardo, Orlando Silva - O Cantor das Multidões, Luiz Barbosa, Patrício Teixeira, Almirante, Noel Rosa, Ciro Monteiro e outros. Entre as cantoras, além de Carmen Miranda, Gesy Barbosa, Gilda Abreu, Elisa Coelho de Andrade, Aurora Miranda, Aracy de Almeida, Sylvinha Mello, Dircinha e Linda Baptista.

Em 1936, por não poder cumprir as normas legais, que exigiam das emissoras novos equipamentos de transmissão, e não querendo veicular propaganda, Roquette-Pinto decidiu doar a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro ao Ministério da Educação e Saúde Pública, mediante cláusula que exigia que a rádio mantivesse os mesmos princípios de sua criação: os fins educativos. E, assim, em 7 de setembro de 1936, foi oficializada a doação à União, que passou a se denominar Rádio Ministério da Educação e Cultura - Rádio MEC.

Dias depois, em 12 de setembro de 1936, foi inaugurada a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, encampada em 1940 pelo governo federal por integrar um conglomerado, que tinha como empresa holding a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, formando, então, as Empresas Incorporadas da União. A história da PRE-8 é um caso a parte, começou com o fim da Rádio Philips, que havia sido fundada para divulgar os seus produtos, notadamente os aparelhos de rádio. Todos os equipamentos foram adquiridos e transferidos para a Nacional, que fazia parte do conglomerado ao qual também pertenciam o jornal A Noite e as revistas A Noite Ilustrada, Carioca e Vamos Ler. Somente na metade da década de 40, a Rádio Nacional passou a ser o grande fenômeno de comunicação, sucessora da Mayrink Veiga em audiência. Grandes cantores foram contratados, entre eles Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Cauby Peixoto, Marlene, Ângela Maria, Ivon Cury, Francisco Carlos, Nora Ney, Heleninha Costa, Jorge Goulart, Jorge Veiga e Nelson Gonçalves.

Novelas e futebol

Nos anos da II Grande Guerra Mundial, o rádio foi para a população o meio de informação mais eficiente, tendo sido criado, nesse período, o mais importante noticioso radiofônico, o Repórter Esso, imortalizado na voz do locutor Heron Domingues. Vários programas humorísticos foram criados, como a PRK-30, com Lauro Borges e Castro Barbosa, Tancredo e Tancrado, Balança Mais não Cai, Alvarenga e Ranchinho e, em São Paulo, a Escolinha de Dona Olinda, com o seu genial criador Vital Fernandes da Silva, o Nhô Totico.

Cabe destacar a primeira novela radiofônica, Em Busca da Felicidade, e a de maior sucesso, O Direito de Nascer, com Paulo Gracindo no papel principal. A Rádio Panamericana, hoje Jovem Pan, foi a primeira emissora a se dedicar a radionovelas, porém a grande especialista no gênero foi a Rádio São Paulo, tendo Waldemar Ciglione e Ceci Medina como seus maiores astros. Os grandes autores foram Oduvaldo Vianna, Giuseppe Ghiarone e Dias Gomes.

No campo esportivo, cabe lembrar os grandes locutores como Gagliano Neto, o primeiro a transmitir uma Copa do Mundo, diretamente da França no ano de 1938, através do microfone da Rádio Cruzeiro do Sul. Destacaram-se, ainda, Ary Barroso e sua gaitinha, que tocava toda vez que se marcava um gol; Oduvaldo Cozzi, Antonio Cordeiro, Pedro Luiz, Geraldo José de Almeida, Waldir Amaral, Jorge Curi, Edson Leite, Fiori Giliotti e Joseval Peixoto.

Varias rádios foram fundadas no Brasil, como a Cruzeiro do Sul, Bandeirantes , Cultura , América, Difusora, Tupi e Eldorado, em São Paulo; Ipanema, Transmissora, Guanabara, Cajuti, Tupi, Jornal do Brasil, Globo, Tamoio, no Rio de Janeiro; Gaúcha, Farroupilha, Guaíba, em Porto Alegre; Excelsior e Sociedade da Bahia, em Salvador; Mineira, Guarani, Inconfidência, em Belo Horizonte; Clube de Pernambuco, Jornal do Commércio, Tamandaré, em Recife, entre outras.

Integração nacional

Durante a Segunda Guerra Mundial, foram inventados o transistor e a freqüência modulada, a FM. Com o transistor, os aparelhos de rádio se tornaram menores e portáteis, podendo ser levados para qualquer parte, inclusive aos estádios do futebol. A FM tornou o som radiofônico mais limpo, apesar de seu alcance ser limitado, o que não acontece com a AM, que transmite em Ondas Médias.

Nesses 80 anos o rádio cumpriu uma missão muito especial, a reunião da família na sala, tarefa que, atualmente, cabe à televisão. Mas o rádio, por ser instantâneo, pode informar de qualquer parte do mundo para uma residência, no mais longínquo rincão do País, mesmo em lugares sem energia elétrica, ou para qualquer automóvel. Existem no Brasil hoje mais de 3.500 mil emissoras de rádio e um total 80 milhões de aparelhos de rádio, alcançando mais de 120 milhões de ouvintes. O papel de integração nacional e de meio de difusão cultural preconizada por Edgard Roquette-Pinto continua atual.



* Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador da Secretaria Geral Parlamentar da ALESP.

A autor agradece a valiosa colaboração da colega Sandra Sciulli Vital da Divisão de Biblioteca e Documentação do DDI.

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