É PRECISO TER CORAGEM PARA DENUNCIAR CASOS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL - OPINIÃO

Renato Simões
18/12/2000 14:26

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Durante o ano de 2000, recebemos na Comissão de Direitos Humanos e através do serviço SOS Racismo, que a Assembléia Legislativa instalou, uma série de denúncias de racismo que vêm sendo tratadas pela Justiça, pela polícia e pelas autoridades como casos de mera injúria. No entanto, a cada vez que analisamos a farta documentação sobre esses casos, ficamos convictos de que não é possível tratar casos de racismo como se fossem apenas injúrias.

No dia 10 de maio, em Campos do Jordão, duas jovens irmãs, Taís e Laís de Fátima Rodrigues, foram agredidas física e moralmente por dois empresários da cidade, que utilizaram inúmeras palavras de baixo calão e jargões preconceituosos para dizer uma única coisa: que eles não queriam negros freqüentando o estabelecimento comercial de sua propriedade. Chegaram às vias de fato: agrediram-nas fisicamente. O fato foi testemunhado por policiais militares que chegaram ao local durante esse conflito, tanto é que ambos foram levados juntamente com as vítimas até a delegacia de polícia de Campos do Jordão, onde ambos foram presos em flagrante e ali foram qualificados como autores de injúria racial. No dia seguinte, foram colocados em liberdade, o que evidentemente contraria a lei pela qual tanto se lutou neste país, que tipifica o crime de racismo como um crime inafiançável.

Ora, já tivemos, na Comissão de Direitos Humanos, oportunidade de discutir esse assunto. O Ministério Público do Estado de São Paulo, através de um ato do então Procurador Geral de Justiça, Luiz Antonio de Guimarães Marrey, baixou uma norma dizendo que diante de uma situação como essa, os promotores de justiça que não aplicarem a Lei de Crimes Raciais e desqualificarem o crime de racismo para o crime de injúria, devem ser substituídos por outro promotor que de fato aplique a lei, porque estamos cansados de ver a impunidade acontecendo, e em alguns casos, chegando às vias de fato.

Já realizamos aqui audiências públicas sobre crimes de grupos neonazistas que perseguem, agridem e matam pessoas que cometem o crime de serem negros, judeus, homossexuais ou pessoas que professam crenças que são incompatíveis com a filosofia neonazista. Então, este caso de Campos do Jordão não é apenas mais um dos tantos casos que acontecem no dia-a-dia nessa cidade. Estamos tratando de um caso que chegou ao conhecimento do Estado enquanto instituição pública, que foi tratado no âmbito da delegacia de polícia e do Fórum, que está nas mãos do Ministério Público para um parecer e que constitui um abuso inominável numa das cidades que costuma ser, durante o inverno, a sede da burguesia paulista, a "Suíça" brasileira. É uma cidade que tem uma tradição cultural da qual, com certeza, todos nós paulistas nos orgulhamos, mas que neste caso precisa dar uma satisfação a duas das suas cidadãs que, por serem negras, foram objeto desse crime hediondo.

A Comissão de Direitos Humanos vem acompanhando este caso e o divulgou para que outras pessoas, vítimas como a Taís e a Laís, se espelhem no exemplo dessas duas jovens que, apesar de toda a vergonha que passaram, tiveram a coragem de vir a público e denunciar a situação.

Renato Simões é deputado estadual pelo PT, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo e relator da CPI estadual do narcotráfico.

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