Brasileiro e limpo

OPINIÃO - Arnaldo Jardim*
04/06/2003 18:40

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Em sua Canção do Exílio, Gonçalves Dias dizia que "as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá". O seu lá é esse Brasil recheado de riquezas naturais e diferenciais positivos ambientais que devem ser anunciados à exaustão. Dentre esses diferenciais está o nosso enorme potencial de geração de energia limpa e renovável, bem ao sabor do que está enunciado pelo Protocolo de Kyoto, documento que deverá orientar o ordenamento econômico deste século 21.

Nada mais óbvio, portanto, do que resgatar nesta semana do meio ambiente experiências brasileiras únicas, como é o caso do álcool combustível. A chegada do inverno renova a preocupação nas grandes metrópoles com a qualidade do ar. A estação da seca no Centro-Sul do Brasil costuma trazer dissabores para a população, principalmente para os alérgicos ou para os que têm problemas das vias respiratórias. No entanto, a situação da qualidade do ar poderia ser muito pior se a gasolina brasileira não fosse aditivada com álcool. Ao ser acrescentado à gasolina, o álcool substitui o MTBE e o chumbo tetraetila na oxigenação do combustível, deixando de emitir diversas substâncias nocivas à saúde.

Em termos ambientais, o carro movido exclusivamente a álcool hidratado é uma opção excelente. Nas mesmas condições tecnológicas que um carro movido à gasolina, apresenta emissão 20% inferior de poluentes. O que sai pelo escapamento desses veículos não tem reação fotoquímica, ao contrário dos carros a gasolina. Com isso, não representa risco de concentrar ozônio na baixa atmosfera - o que provoca irritação nos olhos, nas vias respiratórias e na garganta, entre outras mazelas.

O álcool hidratado conta, a seu favor, com o fato de suas emissões de dióxido de carbono, o principal gás responsável pelo efeito estufa, ser praticamente desprezível. Isso sem falar que mantém a constância da operação do catalisador, ao contrário dos veículos a gasolina.

O fato de o Brasil dispor dessas opções não significa que o padrão ambiental do nosso transporte não possa ser melhorado. O aproveitamento energético pode ser ampliado com novas tecnologias não só para o álcool. Afinal, uma das principais fontes de emissão de gás carbônico, o óleo diesel, pode ser substituído pelo biodiesel - composto por óleos vegetais e de 10% a 20% de álcool. Existem pesquisas para incluir essa tecnologia na matriz energética brasileira - o que representaria, para começo de conversa, uma economia significativa de divisas - no ano passado, o País gastou US$ 1,08 bilhão só com a importação de diesel e similares.

Além das vantagens econômicas e ambientais, a adoção desse biocombustível seria uma forma de fazer jus ao espírito visionário de Rudolph Diesel, que emprestou seu nome ao motor de sua criação, em 1895, apresentado na Exposição Mundial de Paris, em 1900 - e movido a óleo de amendoim. "O motor Diesel pode ser alimentado com óleo vegetal e ajudará consideravelmente o desenvolvimento da agricultura dos países que o usarão", disse o inventor, em 1911. As possibilidades abertas para o Brasil, sob esse aspecto, são tentadoras, ao poder utilizar soja, mamona, dendê, algodão ou a matéria-prima mais conveniente para cada região.

Essa variedade de opções limpas é uma tendência da matriz energética brasileira, na qual o fornecimento de eletricidade está baseado em mais de 90% na hidroeletricidade. No caso dos transportes, o avanço do álcool e do biodiesel reforça o interesse na energia renovável, que poderá se manter no futuro - mesmo com a entrada da tecnologia da célula de combustível.

É a preocupação com alternativas limpas e renováveis que difere a política energética do Brasil e a dos Estados Unidos. Recentemente, o Pew Center on Global Climate Change divulgou um relatório mostrando que os transportes representam quase um terço das emissões de gases causadores do efeito estufa nos EUA, podendo chegar a 36% em 2020 se medidas para desenvolver tecnologias mais limpas não forem adotadas. Entre as propostas apresentadas, estão a adição de álcool na gasolina e a criação de uma infra-estrutura que permita o acesso do consumidor a fontes mais limpas de energia.

O mais importante de tudo é que o Brasil continue a trilhar o caminho da eficiência e da limpeza energética, mantendo a vanguarda num momento em que se vislumbra para todo o mundo um novo padrão de uso de energia, centrado na racionalidade e nas fontes renováveis e menos poluentes. Não é preciso muito esforço para se perceber que aí está a chave da transformação do Brasil de coadjuvante a protagonista da nova ordem econômica que se começa a desenhar mundialmente. Assim, comemoramos, de forma ativa e propositiva, o Dia Mundial do Meio Ambiente.

* Arnaldo Jardim é deputado estadual, engenheiro civil, foi secretário da Habitação (1993), e é coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável.

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