Alca - equilíbrio duvidoso

OPINIÃO - Arnaldo Jardim*
21/11/2003 17:30

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O debate sobre a inserção do Brasil na Alca - Área de Livre Comércio das Américas é fundamental para o nosso futuro. Digo isso porque me preocupa o clima de emoção que tem persistido nesta discussão, sem que uma dose de racionalidade e objetividade seja incluída no cenário. Não há mais espaço para ranços ideológicos - e acredito que ninguém defenda isso no mundo atual, de comunicação instantânea, de transações comerciais fechadas 24 horas por dia, num processo de diluição de barreiras físicas.

Em contrapartida, a adoção pura e simples do modelo neoliberal perde o sentido quando olhamos com cuidado as informações recentemente divulgadas por órgãos internacionais, como o Banco Mundial (Bird). Em setembro passado, o próprio presidente do Bird, James Wolfensohn, reconheceu o desequilíbrio das políticas dos países ricos, que gastam US$ 56 bilhões ao ano em ajuda aos países em desenvolvimento, mas que destinam US$ 300 bilhões anuais a subsídios agrícolas, distorcendo os preços de produtos importantes na balança comercial dos mais pobres - o que torna o discurso a favor da liberalização dos mercados um amontoado inócuo de palavras.

A agricultura é, de fato, o maior entrave aos acordos multilaterais de comércio, devido à política protecionista adotada pelos países desenvolvidos, o que vale tanto para a OMC - Organização Mundial de Comércio como para a Alca.

Recentemente, o Carnegie Endowment for International Peace (www.ceip.org), entidade sem fins lucrativos criada em 1910, apresentou o trabalho "Promessa e realidade do Nafta: lições do México para o hemisfério". Pelo estudo, o Nafta - Acordo de Livre Comércio da América do Norte, que tem nos Estados Unidos sua força motriz, não ajudou a economia mexicana a abrir os postos de trabalho necessários, apesar do crescimento do comércio e da produtividade. No setor agrícola, que conta com quase 20% da população do país, foram perdidos 1,3 milhão de empregos. Os produtores rurais compensaram a perda de renda, provocada pela queda dos preços dos produtos, pelo cultivo de áreas marginais, o que aumentou o desmatamento. O acordo não elevou a renda -os salários reais recuaram devido à desvalorização do peso. Também não conteve o fluxo de mexicanos pobres que emigraram ilegalmente para os EUA, apesar dos controles mais rígidos na fronteira.

Tais informações acabaram por sepultar aquilo que se convencionou chamar de Consenso de Washington, cartilha liberalizante proposta para a América Latina em 1989, que por um bom tempo foi tratada como o instrumento ideal para a criação de um surto amplo e generalizado de desenvolvimento.

Neste momento em que o desequilíbrio torna-se patente e criticado no mundo, devem prevalecer em acordos internacionais critérios que determinem o que se ganha e o que se perde, que tipo de negociação interessa fazer. Se obter acesso maior a grandes mercados representa um sonho de crescimento econômico para muitos, é preciso observar que alguns setores, como o de serviços, podem se ressentir de um processo atabalhoado de inserção. É isso que deve ser pesado. Também temos de continuar negociando com altivez, coisa que defendemos e saudamos.

O processo de negociações internacionais não deve ser conduzido apenas pelas autoridades, mas também pelos setores produtivos, que devem ser ouvidos e ter papel decisório. Afinal, negociar com base na realidade é uma de suas características mais louváveis.



*Arnaldo Jardim é deputado estadual, líder da bancada do PPS e coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável de São Paulo. E-mail: arnaldojardim@uol.com.br

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