O SALÁRIO MÍNIMO E O PAPEL TRANSFORMADOR DA EDUCAÇÃO - OPINIÃO

Maria Lúcia Prandi*
02/10/2001 14:04

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O pagamento de um salário mínimo de R$ 180,00 garante ao Brasil a manutenção da liderança absoluta no ranking de países com a pior e mais perversa distribuição de renda do mundo. Sob os desmandos de FHC, o brasileiro é cada vez mais lançado na miséria, vagando oprimido sem direitos, sem sonhos, sem cidadania e sem esperança.

Levantamento intitulado o Mapa do Fim da Fome, divulgado recentemente pela Fundação Getúlio Vargas, aponta que existem 50 milhões de brasileiros (29,3% da população do país) vivendo como indigentes. São pessoas com renda mensal inferior a R$ 80,00, valor apontado pela Organização Mundial de Saúde como o mínimo necessário para a compra de itens indispensáveis da cesta básica.

A distribuição de renda do Brasil é equivalente às do Panamá, do Quênia, da Zâmbia e da Costa do Marfim, segundo a Organização das Nações Unidas. Relatório divulgado pela Unicef, no final de 1999, iguala o Brasil ao Vietnã em mortes de crianças com até cinco anos de idade, como reflexo vergonhoso da condição de absoluta miséria em que vive quase um terço da população brasileira.

São 100 mil as crianças e jovens brasileiros, menores de 18 anos, vivendo em famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo. Exploradas no trabalho infantil, 2 milhões e 900 mil crianças, de cinco a 14 anos, perdem a infância, a oportunidade de freqüentar escola e a perspectiva de uma vida digna. O número sobe para 5 milhões e 700 mil se forem computadas as crianças e adolescentes com até 16 anos de idade.

A perversa realidade traz outros reflexos, como o aumento da violência entre a juventude. Das mortes precoces que atingem jovens entre 15 e 24 anos de idade, 67% são causadas por acidentes de trânsito, homicídios e suicídios. No relatório anterior da Unicef, o percentual era de 52%.

A esperança de reverter os índices com investimentos em Educação afunda na análise das verbas do setor. Menos de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é canalizado para a Educação pelo governo FHC. Em São Paulo, Estado mais rico da Federação, o governo estadual estacionou em ridículos 2,1% do PIB estadual, sequer cumprindo os 30% constitucionais.

Sem ampliar os investimentos, o governo federal obriga os municípios a canalizarem 15% das verbas da Educação para o Ensino Fundamental. A concentração desses recursos está provocando conseqüências catastróficas no setor pré-escolar. Apenas 8% das crianças brasileiras de zero a 4 anos de idade freqüentam creches e somente 51% das crianças de 4 a 6 anos de idade estão na pré-escola.

No âmbito estadual, a rede pública de ensino atola em retrocessos. Um dos mais gritantes é o corte de mais de 3 milhões de aulas/ano, gerando desemprego de professores e brutal empobrecimento do currículo. Nos cursos de suplência, a demanda não é atendida; o magistério e o profissionalizante foram mutilados; os pré-profissionalizantes foram extintos. A promoção automática dos alunos, sem repetência, está formando uma geração de analfabetos escolarizados, mas atende aos objetivos impostos por organismos internacionais, como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial: cortar custos e cumprir metas estatísticas.

Sempre acreditando no papel transformador da Educação, trabalho pela aprovação de dois projetos de minha autoria. Com o Projeto de Lei 701/99, quero aumentar o número diário de horas-aula, abrindo espaço para o retorno de disciplinas de conteúdo humanístico, como Filosofia e Sociologia, além de outras que sofreram drásticos cortes, entre eles Educação Física e Educação Artística.

Reforçando objetivos, o Projeto de Lei 922/99 trata da elaboração do Plano Estadual de Educação, dando oportunidade à sociedade organizada de discutir e definir uma proposta perene, que não fique sujeita à transitoriedade e às diretrizes dos governantes de plantão.

Na Comissão de Educação da Assembléia Legislativa, onde cumpro meu segundo mandato na presidência, outros espaços de luta se abrem, como a ampliação dos campus das universidades públicas paulistas, visando ao atendimento em regiões ainda carentes dessa oferta de ensino. Além disso, também investigamos a aplicação correta das verbas do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Quota Estadual do Salário Educação (QESE).

É consenso mundial o papel estratégico da Educação no processo de desenvolvimento econômico e social das populações, principalmente aquelas dos países menos desenvolvidos. O conhecimento é a moeda forte do Terceiro Milênio. Por isso, precisa ser disseminado e democratizado. Sua concentração nas mãos de minorias privilegiadas contribui para a perpetuação da miséria e a manutenção de milhões de pessoas à margem de seus direitos essenciais de cidadania. Mais do que isso, nos remete a tempos passados, onde apenas o topo da pirâmide sócio-econômica tinha acesso aos livros, à leitura e a escrita.

As nações que lograram êxito em seu desenvolvimento só avançaram com prioridade para a Educação, estruturando sistemas educacionais que se constituem espaços de elaboração sistemática do conhecimento e capazes de formar cidadãos críticos. Investimentos em cultura e educação são essenciais para gerar um novo modelo social. Com o esforço de cada um e de todos nós juntos, construiremos uma sociedade sem tão gritantes diferenças, onde a solidariedade esteja presente e o respeito aos direitos de cidadania não seja exceção.

Maria Lúcia Prandi é deputada estadual pelo PT, presidente da Comissão de Educação da Assembléia Legislativa e professora de História com Pós-Graduação na PUC-SP

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