MANÉ ÀS AVESSAS - OPINIÃO

Milton Flávio*
24/10/2001 11:43

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Mestre Armando Nogueira lançou há anos uma tese original sobre o drible desconcertante de Manuel Francisco dos Santos, nome de batismo de Mané Garrincha. Seu drible, na opinião do poeta-jornalista, era na verdade a negação do drible. Afinal, o que é o drible? É uma espécie de fingimento. O liga faz de conta que vai fazer uma coisa e acaba fazendo justamente o contrário, na tentativa de ludibriar o marcador.

E que fazia Garrincha? Fazia o que todo mundo sabia que ia fazer: sair sempre pela direita, ainda que ameaçasse escapar pelo lado oposto. O problema é que não havia "João" que impedisse a magia anunciada. Não por acaso, Nilton Santos, um dos maiores alas, perdão, laterais esquerdos do futebol brasileiro de todos os tempos, costumava dizer: "Todos os jogadores do mundo são marcáveis, menos seu Mané. Mané em dia de Mané só com revólver". Essas e várias outras histórias sobre futebol podem ser encontradas no livro O gol é necessário, de Paulo Mendes Campos.

É interessante notar que, à frente da prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy tem-se esmerado em ser a negação de Garrincha. Com a caneta na mão, ela acaba sempre surpreendendo, procurando fazer, a exemplo dos atacantes convencionais, justamente o contrário do que dela se espera. Ao agir dessa maneira, ela não cria embaraços para os adversários, mas acaba por deixar correligionários e simpatizantes numa saia para lá de justa. Mal comparando, é como se ela pegasse a bola, driblasse meia dúzia de beques e colocasse a pelota, indefensável, no ângulo - de seu próprio gol.

Agora mesmo, como se sabe, a prefeita driblou alguns companheiros de partido, há tempos comprometidos com a bandeira da educação, e conseguiu arrancar do diretório municipal uma moção de apoio a sua proposta de incluir nos gastos com ensino uma série de itens: pagamento de inativos, transporte escolar, compra de uniformes e recursos para o tal do Renda Mínima. Tudo isso após passar oito anos criticando os prefeitos anteriores porque eles não investiam, como determina a Lei Orgânica do Município, 30% das receitas no setor.

Pitta e Maluf foram justamente criticados porque não davam aumentos para o funcionalismo. Marta concedeu um belo aumento, de 40%, mas só para os que, amigos de seus amigos, estão em cargos de confiança. Para os demais, um abraço e o pasmo geral diante de mais um drible até então insuspeitado. Claro que as gestões anteriores não servem de paradigma para nada. Justamente por isso era de se supor que o atual governo de Marta Suplicy fizesse tudo ao contrário. Aliás, ela foi eleita para isso. Mas até agora - em menos de dez meses - firmou 110 contratos sem licitação, seis deles só na área do lixo, setor onde se encontram alguns generosos doadores de sua campanha, conforme têm noticiado fartamente os jornais.

A bem da verdade, é preciso reconhecer que a prefeita às vezes faz o drible tipo Garrincha, ou seja, sai por onde todo mundo esperava que ela saísse. É o caso, por exemplo, do IPTU. Ela bem que avisou que iria rever os valores venais dos imóveis e introduzir as alíquotas progressivas. E pretende, de fato, fazê-lo. O que ninguém esperava é que sua facada fosse tão dolorida.

Em síntese: Garrincha, com seus dribles previsíveis, mas desconcertantes, era a alegria de sua torcida. Marta, ao surpreender os próprios aliados, já virou a festa dos adversários.

*Milton Flávio é deputado estadual pelo PSDB, presidente da Comissão de Assuntos Internacionais da Assembléia Legislativa de São Paulo e da União Parlamentar do Mercosul (UPM)

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