DEPOIS DO APAGÃO, CONTAS A PAGAR - OPINIÃO

*Arnaldo Jardim
19/04/2002 17:40

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"Falar em perdas com o racionamento de energia é como chegar para o consumidor e dizer: você foi ótimo durante o racionamento, fez de tudo para que não houvesse apagão, consumiu menos energia, mas vai ter que pagar mais na tarifa de luz em razão de um prejuízo alegado pelas empresas. Isto é um equívoco sem tamanho. A reposição que faz parte do acordo do Governo com as distribuidoras e geradoras tem mais a ver com perdas pela variação cambial e outros fatores do que com prejuízo causado pelo racionamento. Dizer que as empresas vão ser ressarcidas por terem acumulado prejuízo durante o racionamento, sendo que boa parte delas tiveram lucro no ano passado, é como um tapa na cara do consumidor".

Estas palavras não saíram da boca de Ciro, Lula ou de qualquer outro líder da oposição. Foram proferidas pelo ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP), David Zylberstajn. Abstraindo o fato de que até ontem ele fazia parte do staff decisório do setor de energia no País, suas afirmações sintetizam um sentimento generalizado a respeito da Medida Provisória nº 14 que cria o seguro apagão, instituindo, via contas de luz, um imposto para a sociedade brasileira pagar e compensar as "perdas" das geradoras e distribuidoras de energia durante o período de racionamento.

É engraçado que as perdas do comércio, da indústria e das donas de casa não são objeto de nenhuma referência. Acontece que o Governo FHC quer mesmo assegurar aos investidores estrangeiros que aqui praticamos uma modalidade de capitalismo diferenciada, onde não existem riscos.

A Medida Provisória votada em 10 de abril mexe no bolso, na forma de vida e no futuro dos serviços de energia em nosso país.

Sob o ponto de vista financeiro, a MP esclarece a determinação do governo de impedir prejuízos do setor privado da área elétrica. Embora discutível, este tipo de ação poderia implicar em contrapartidas de investimento, por exemplo. No entanto este compromisso inexiste e a coisa funciona mais ou menos assim: na hora da elevação de tarifas e realização de lucros, apela-se para o livre mercado; na hora de reais ou supostos prejuízos invoca-se a confiabilidade do sistema para garantir o socorro governamental.

O empréstimo de R$ 7,5 bilhões, concedido pelo BNDES, sob o título "Recuperação de margens", e o fim da tarifa social ajudaram o balanço das empresas e, mesmo com a venda física em média 25% menor nos sete meses de racionamento, a receita líquida das elétricas cresceu 32,37%. Já o lucro variou de empresa para empresa, mas alcançou aumentos de 33,28% em relação a 2000.

Mesmo com estes números fabulosos a MP 14 autoriza o aumento extraordinário de 2,9% para residências e indústrias que utilizam intensivamente a eletricidade. Para outras indústrias, comércio e áreas rurais, o aumento chegou a 7,9%. Esta é a cota da sociedade no chamado seguro antiapagão.

Um outro fator a se destacar e que causa indignação são as razões deste seguro. De fato, o que ele faz é transferir ao consumidor o ônus pela contratação de energia emergencial, a partir do fim do racionamento em 01 de março de 2002 até dezembro de 2005. Trata-se de contratações sem licitação, por seu caráter emergencial, para as quais estão sendo canalizados milhões de dólares. Aí, fim de festa, vem o pior: não será adicionado um único quilowatt de expansão permanente na oferta de energia do país.

Enquanto isso o governo permanece tímido na diversificação da matriz energética. A MP 14 estipula um teto de 3.300 mW a ser distribuído eqüitativamente entre as energias de biomassa, eólica e de PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), no que se convencionou chamar de Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia). Além do Proinfa deixar de lado a energia solar e uma de suas derivações, a fotovoltaica, nota-se pouca ousadia no incentivo a estas fontes. Afinal, apenas o setor sucroalcooleiro, com a co-geração de energia elétrica a partir de biomassa, tem um potencial que ultrapassa os 10.000 mW. E estamos falando de investimentos em energia permanente, complementar ao sistema hidrelétrico e fundamental para a nossa auto-suficiência.

Parece que o governo não aprendeu a lição da crise brasileira e da californiana. Insiste-se num modelo privado ineficiente e mantém-se o governo como guarda-chuva para socorro nos momentos de tempestade. Ao mesmo tempo, desarticula-se o poder fiscalizador e controlador da Agência Nacional de Energia Elétrica e em decorrência, assiste-se à pulverização das decisões nesta área.

A persistir nesse caminho, haja apagão!

* Arnaldo Jardim, deputado, engenheiro civil, foi secretário da Habitação (1993), é coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável e Presidente Estadual do PPS.

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