Evitar o aborto da esperança

OPINIÃO - Deputado Arnaldo Jardim
15/07/2003 19:16

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A adolescência é uma fase de profundas transformações no ser humano. Um período de mudanças bruscas, acionadas por uma sinergia de fatores biológicos, psíquicos, sociais e culturais. Em pouco tempo, a jovem se vê em meio a novas relações consigo, com sua imagem corporal, com a família, com o meio em que vive.

A definição acima foi talhada pela especialista em saúde da mulher e coordenadora do Programa de Saúde do Adolescente da Secretaria da Saúde paulista, Dra. Albertina Duarte Takiuti, em seu livro "Utopia? - Análise de um Modelo de Atenção Integral à Saúde do Adolescente no Sistema Único de Saúde do Estado de São Paulo". Tenho acompanhado, há muito tempo, o brilhante trabalho desta profissional, que se dedica de corpo e alma à questão. Segundo ela, o adolescente passa por três despedidas fundamentais: a do corpo infantil; a da identidade infantil, que envolve a aceitação de novas responsabilidades; a dos pais da infância.

A adolescência é um período de ebulição, onde a busca do "quem sou eu" toma grande parte do tempo do jovem, que procura desprender-se da infância e entender e aceitar as transformações de seu corpo. Afinal, segundo o dicionário o verbo adolescer significa transformar, amadurecer, florescer.

Para especialistas, seria absurdo exigir dos jovens equilíbrio nesse processo. E é justamente nesse período, de definição da nova identidade e do descobrimento sexual, que mora o perigo! Recente pesquisa, realizada pelo Núcleo de Estudos da Unicamp, ao comparar os censos de 1991 e 2000, constatou que a maternidade é o principal motivo de internação de jovens no país. Os dados são assustadores e mostram que só no ano passado foram realizados cerca de 1.700 partos diários de meninas de 10 a 19 anos, o que representou um crescimento de 26% do total de nascimentos, segundo o Ministério da Saúde.

Para desespero das jovens avós e angústia das jovens mães, essa faixa etária foi a única que apresentou aumento (25%) na taxa de fecundidade na última década, em todo o país. Vale lembrar que nos países desenvolvidos a taxa de gravidez na adolescência varia entre 1% e 2%, enquanto no Brasil fica no patamar de 15% a 20%.

Porém, nem todas as notícias são más. Recentes dados divulgados pela Secretaria de Saúde paulista indicam que o número de mães adolescentes caiu 21,4% no Estado, entre 1998 e o ano passado. Agora, o programa estadual investirá na redução da segunda gravidez, pois estima-se que cerca de 40% das jovens voltam a engravidar depois de três anos do primeiro parto.

Não bastasse a típica insegurança da idade, somada ao alto índice de desemprego juvenil e à falta de perspectiva resultante, uma gravidez precoce pode ser desastrosa para a adolescente. Muitas jovens, motivadas pela falta de amparo familiar e pelo abandono do parceiro, recorrem à prática perigosa do aborto. Elas são responsáveis por 48% das interrupções de gravidez registradas pelos serviços de aborto dos hospitais públicos que realizam cirurgias legais, segundo levantamento da Rede Feminista de Saúde. Dados do Ministério da Saúde mostram que estas mesmas interrupções constituem a quinta maior causa de internação de jovens. O pior é que nestes indicadores não estão computados os abortos realizados em clínicas ilegais, nem os provocados pelas próprias adolescentes.

O estado emocional das garotas que se submetem a um aborto fica tão abalado que, muitas vezes, voltam a engravidar só para verificar se não ficaram estéreis. É por isso que as adolescentes que passam por este trauma não podem ser abandonadas. Pelo contrário, necessitam do amparo e calor das pessoas mais próximas para poderem se reestruturar e suportar a discriminação míope da sociedade.

Como forma de evitar o problema, é necessário valorizar a mulher adolescente como cidadã. Isso se faz procurando entendê-la melhor, aceitando as suas mudanças naturais; oferecendo compreensão e afeto; fomentando o estabelecimento de vínculos com turmas, namorado etc., para que ela se sinta parte de um todo; valorizando o que ela faz; e buscando sempre canais de diálogo.

Pensando nisso, apresentei, na Assembléia Legislativa de São Paulo, o projeto de Lei nº 679 de 2002, para criar o Programa de Saúde do Adolescente. O programa, desenvolvido por especialistas conceituados do setor, tem o objetivo de criar ações efetivas para a prevenção contínua da saúde do adolescente em diversos níveis, como: medicina, psicologia, assistência social, educação, sexualidade, nutrição e odontologia; estímulo às práticas educativas e participativas, com o objetivo de desenvolver os seus potenciais crítico e criativo; e incentivo ao envolvimento do adolescente e familiares nas ações a serem implementadas pelo programa.

Afinal, a adolescência é uma fase dinâmica da vida, que envolve muitas perguntas que necessitam de respostas, sob o risco de se transformarem em angústia, ansiedade e frustrações - terreno fértil para mais casos de gravidez precoce.



Arnaldo Jardim é Deputado Estadual

Relator Geral do Fórum SP Séc. XXI

E-mail: arnaldojardim@uol.com.br

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