Opinião - Os democratas, a miscigenação e as cotas raciais


17/03/2010 17:55

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Lamentável. É desta maneira que inicio minha análise sobre o posicionamento do senador Demóstenes Torres (DEM/GO) e consequentemente do DEM, em pleno século 21. Homens e mulheres, negros e negras, foram arrancados de sua pátria no Continente Africano, trazidos para o Brasil, onde foram escravizados, subjugados como mercadoria, espoliados e roubados em sua identidade, cultura e dignidade.

O senador fala da miscigenação consensual que teria levado o Brasil a ter hoje essa "magnífica configuração social", discordando da posição inicial que pressupõe que esse amálgama, no início, teria sido provocado por estupros. O senador ignora que essas mulheres, naquela época submetidas ao regime escravocrata, não teriam possibilidade de se rebelarem, embora eu acredite que resistiram contra a violência do ato até suas últimas forças. Creio também que elas teriam, ou na senzala ou em seus países de origem seus verdadeiros amores, estes sim, originados por um sentimento de amor.

O senador coloca beleza numa relação eivada pela violência. O estupro daquelas mulheres resultou, inclusive, no nascimento de filhos não reconhecidos por seus "senhores", como se do fruto desse relacionamento não pudesse ser gerado um ser humano.

Difícil acreditar que as mulheres teriam afetividade por aqueles que subjugaram seu povo naquele perverso período e que tomaram seus corpos violentamente, apenas para satisfazer seus caprichos e instintos de "macho". Se não bastasse, o nobre senador ainda afirmou que no dia seguinte à sua alforria, o escravo era "um cidadão como outro qualquer, com todos os direitos políticos e o mesmo grau de elegibilidade". Em que mundo Vossa Excelência vive?!

Os negros e negras escravizados que lutaram durante todo o período de escravidão, resistindo, dentre outras formas, por meio de centenas de quilombos e rebeliões e ainda, depois de "libertos" não receberam terras ou qualquer forma de reparação, sendo empurrados para o submundo da marginalidade, sem terra, sem comida ou rumo, por não estarem preparados para sobreviver numa terra estranha.

Chega a ser irônico dizer que, depois deste processo de coisificação de negros e negras a Abolição da Escravatura resolveria tudo e que, em "iguais condições", eles alcançariam suas metas em relação à educação, saúde, desenvolvimento econômico e cultural.

Declarações como a do senador Demóstenes e outros integrantes do seu partido político, o DEM, atrasam o desenvolvimento igualitário do nosso país. Eles querem que os negros e negras continuem longe das faculdades, que têm até 98% de brancos como alunos. Curioso não?!

O Partido dos Trabalhadores não deseja a racialização da nossa sociedade e sim, que se discuta com seriedade as questões de desigualdade étnico-racial de modo que possamos, a partir da identificação das desigualdades, promover verdadeiramente a igualdade de oportunidades neste país.

Repudio as declarações desse senador e o posicionamento do DEM em relação às formas como tentam inviabilizar as cotas raciais como reparação histórica e busca por igualdade, destinada àqueles historicamente desiguais.



*José Candido é deputado estadual pelo PT, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e coordenador do SOS Racismo.

alesp