TECNOLOGIA X TECNOLATRIA - OPINIÃO

Roberto Engler*
10/05/2001 14:00

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Impossível não se encantar com os diários avanços da tecnologia. Aos poucos, vêem-se coisas antes pertencentes aos mais ousados sonhos de ficção científica serem incorporados aos mais usuais utensílios do cotidiano. As mais idílicas promessas e as mais aterradas ameaças vão se concretizando, ganhando corpo, popularizando-se.

Os microcomputadores, que ainda não têm 20 anos de idade, tornaram-se praticamente essenciais e ninguém pode imaginar que conseguirá arranjar ou manter o emprego sem saber como lidar com eles. O número se torna mais impressionante quando se compara com o tempo que rádios, TVs e telefones levaram para atingir o mesmo número de usuários.

Ao mesmo tempo os computadores, eixo central de revolução tecnológica, comunicam-se com os usuários em uma linguagem cada vez mais próxima da analógica. Em outras palavras, a cada vez é necessário menos conhecimento específico para lidar com eles. Em dez anos, serão mais simples de usar do que a TV ou os videocassetes.

Eles já entendem a nossa voz por um preço acessível e um grau de eficiência razoável. Em breve, as tecnologias que permitem a comunicação com eles apenas com o olhar - já disponíveis - se tornarão economicamente acessíveis.

A biologia - e a genética molecular em particular - e a medicina trazem outras promessas e ameaças sempre mais próximas. O homem, em questão de anos, será capaz de controlar seu próprio programa interno, embora ainda não saiba exatamente o que fazer com este conhecimento.

Poderiam ser dados centenas de outros exemplos, mais ou menos cotidianos ou surpreendentes, dos passos que a tecnologia dá - mas a idéia deste artigo é outra. Avanço científico ou tecnológico não representa - como a história nos ensina - garantia de uma melhoria de vida ou o fim da barbárie.

O mais evidente exemplo disto foi o ruir dos sonhos de progresso ilimitado da ciência - e seus benefícios - com a deflagração da 1.ª Guerra Mundial. Todos os meios, ganhos de produtividade, aumento de riqueza, conquistas científicas serviram mais para produzir uma eficiente máquina de guerra - aprimorada na 2.ª Guerra - do que para realizar estes sonhos.

Que os modelos da história não nos iludam sobre a natureza dos novos avanços, cuja essência pode alterar para sempre a raça humana. Nenhuma outra revolução tecnológica, desde a invenção das ferramentas e a domesticação do fogo pelos ancestrais do homem. Tal como essas mudanças, as atuais têm o potencial de transformar a própria espécie humana, criando seus próprios mecanismos de evolução.

Quando se fala de mudança humana, é essencial frisar, não se trata apenas das mudanças genéticas a cada instante mais radicais. A informática torna o homem muito mais produtivo, as facilidades de comunicação aproximam e distanciam as pessoas - aproximam ao tornar possível uma comunicação e colaboração entre as pessoas de pontas diferentes do mundo, afastam porque tornam o contato físico dispensável. Isto só para citar dois exemplos elementares.

Se os avanços tecnológicos encantam, também assustam. Assustam aqueles que perderão seus empregos devido à automação, assustam aqueles que se preocupam com o fosso, que parece intransponível, entre os "plugados e os desplugados", assusta todos aqueles que parecem estar condenados a perder sua posição neste admirável mundo novo que está nascendo.

A resposta a estes temores talvez assuste mais do que qualquer outra coisa: a tecnologia é inelutável. Nova versão do destino, imagina-se que ela terá vida própria, que os rumos, oportunidades, crises e cenários que ela cria são algo já definido e, sobretudo, definido por ela própria.

Elevada à condição de divindade ciumenta, a tecnologia - sobretudo uma certa compreensão ideológica do que seja tecnologia - não admite nenhuma contestação aos planos traçados por ela para o futuro. Resta ao cidadão comum resignar-se a seu destino ou, no máximo, orar no altar fundamentalista da tecnologia para que o futuro lhe seja benéfico.

Esta visão que a alienação da modernidade produz impede que se note que a tecnologia - por mais impressionante ou ameaçadora que pareça - é fruto das mãos humanas, e não um demiurgo com vida própria. Não ser capaz de escapar desta alienação implica deixarmos de ser senhores de nosso destino, última conquista do Iluminismo que ainda nos resta.

A verdadeira resposta a este desafio, que a alienação nos impede de ver, reside na solidariedade, no fortalecimento dos laços entre as pessoas. Só isto nos manterá na condição de homens, ao invés de nos transformarmos em engrenagens de uma máquina, ou, para ser mais atual na metáfora, em micro-chips em algum circuito integrado qualquer. O apelo à responsabilidade social das empresas, o apoio ao desenvolvimento do terceiro setor e o estímulo ao voluntariado - que tem sido algumas das bandeiras de meu mandato - são parte pequena mas necessária desta luta.

*Roberto Engler é deputado estadual pelo PSDB.

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