CPI do Sistema Prisional faz apuração minuciosa de denúncias

Retrospectiva 2002
27/01/2003 17:17

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A Assembléia Legislativa aprovou, no dia 24 de maio de 2001, a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar possíveis irregularidades no sistema prisional do Estado. Conhecida como CPI do Sistema Prisional, a comissão é presidida pela deputada Rosmary Corrêa (PMDB).

A CPI começou os trabalhos priorizando ouvir os dois lados diretamente envolvidos no problema: o secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, e o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários, Nilson Oliveira.

De acordo com dados trazidos pelo secretário, o Estado tem cerca de 96 mil presos, aos quais se somam, mensalmente, mais 800. Diariamente, 400 presos têm que ser deslocados para audiências nos diversos foros estaduais. Ainda segundo dados do secretário, na Corregedoria Administrativa do Sistema Penitenciário há 256 investigações em andamento.

O presidente do sindicato dos agentes penitenciários apresentou diversas denúncias aos integrantes da CPI.

Como rotina de trabalho a CPI visitou, além da Penitenciária do Estado, diversas unidades em Campinas, Piracicaba, Tremembé, Taubaté e ouviu diretores de mais de 30 presídios, além de advogados, corregedores, promotores, agentes do sistema prisional, autoridades policiais e militares, prefeitos e juizes, entre outros.

Superlotação

Um dos problemas tratados no ano de 2002 foi o dos distritos policiais superlotados. Além de enviar ofício aos secretários estaduais de Administração Penitenciária e de Segurança Pública solicitando informações quanto ao número de presos que estão em distritos policiais, condenados ou aguardando julgamento, quantos estão nos cadeiões, qual o cronograma das obras e quantas vagas serão abertas nos novos Centros de Detenção Provisória e nas penitenciárias estaduais, os deputados visitaram diversas delegacias e solicitaram prioridade para a remoção de presos dos distritos policiais.

Devido ao grande número de denúncias em relação os presídios de Taubaté, a CPI promoveu um audiência pública na Câmara Municipal daquela cidade. A audiência, a exemplo do que já ocorreu em Piracicaba e Campinas, teve por finalidade buscar informações sobre a situação das unidades prisionais da região a fim de investigar possíveis irregularidades e crimes praticados no sistema.

A CPI ouviu prefeito, juizes, promotores, diretores dos presídios, agentes do sistema prisional, autoridades policiais e militares. "A iniciativa vem ao encontro da filosofia da comissão, que procura não restringir seus trabalhos à Capital, estendendo as investigações aos demais municípios do Estado que abrigam instituições penais", lembrou a deputada Rosmary Corrêa (PMDB), presidente da CPI.

Irregularidades em Tremembé

Como desdobramento da audiência pública, a Comissão Parlamentar de Inquérito ouviu o coordenador das unidades prisionais do Vale do Paraíba e litoral, Carlos Alberto Corade, sobre irregularidades atribuídas a sua gestão quando diretor do presídio de Tremembé. O agente de segurança penitenciária, Marcos Roberto Marcon, repetiu em plenário as denúncias feitas durante audiência pública realizada em Taubaté pela CPI. Os membros da Comissão requereram diversos documentos da unidade prisional e da Secretaria de Assuntos Prisionais para comprovar a veracidade dos fatos apresentados por Marcon, todos eles negados pelo coordenador de presídios. Outra preocupação dos membros da Comissão é que o governo consiga equacionar problema que tem ocorrido em municípios onde têm sido construídas novas unidades prisionais. Com a vinda dos presos, o município recebe seus parentes, muitos dos quais passam a residir na cidade em locais precários, "favelas", e a se utilizar dos serviços públicos, o que acarreta sobrecarga destes serviços e degradação do município.

Prosseguindo com as visitas a unidades do sistema prisional, a Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Prisional esteve na Cadeia Pública Feminina de Mairiporã o que garantiu a transferência de dez detentas para o sistema prisional do Estado.

A visita da Comissão foi motivada por um abaixo-assinado das detentas, que reclamavam da superlotação, maus tratos e falta de atendimento adequado, denúncias que foram reiteradas aos membros da Comissão e outras autoridades presentes, como a juíza-corregedora da cadeia. Atualmente, 57 presas cumprem pena na cadeia, que tem capacidade para apenas 16. Destas, 31 já foram sentenciadas, estando portanto em situação irregular, ou seja, deveriam já ter sido transferidas para o sistema carcerário.

A visita à Cadeia de Mairiporã é a primeira que os membros da CPI fazem a um presídio feminino. A deputada Rosmary aproveitou a ocasião para cobrar do Estado a previsão de construção de penitenciárias femininas dentro do cronograma da Secretaria de Administração Penitenciária.

Mais denúncias

A sessão da CPI convocada para ouvir o juiz de direito corregedor da Vara das Execuções Criminais e Corregedoria dos Presídios da comarca de São Paulo (Decrim), Otávio Augusto Machado de Barros Filho, foi iniciada com a apresentação de denúncias sobre irregularidades ocorridas no Instituto Penal Agrícola de São José do Rio Preto pelo deputado Valdomiro Lopes (PSB).

Apoiado em documento e fitas de vídeo, o parlamentar informou aos integrantes da comissão da existência de diversas irregularidades na instituição penal de regime semi-aberto do Interior do Estado. O consumo de bebidas alcoólicas e o controle do presídio pelo Primeiro Comando da Capital, fatos denunciados por funcionários da instituição.

Investimentos justificáveis

O juiz corregedor iniciou suas considerações sobre o sistema prisional afirmando que somos todos reféns do crime organizado. "Quem manda nos presídios são as organizações criminosas que controlam a massa carcerária pelo terror. Vinte por cento dos detentos são de fato irrecuperáveis e, por incapacidade de controle pelo Estado, acabam dominando os 80% restantes". Para Otávio Augusto, os especialistas em criminologia são concordes em afirmar que apenas esta minoria poderia ser caracterizada como irrecuperável e que mereceriam ser submetidos a "uma dinâmica penitenciária que os impedisse de voltar ao convívio social". Para os demais, os investimentos em reeducação são plenamente justificáveis. Segundo Otávio seriam necessárias alocações de recursos para que as unidades prisionais possuíssem equipes multidisciplinares que acompanhariam o preso em todo seu processo de recuperação. "Só desta maneira conseguiríamos reduzir os índices de reincidência. Hoje, precisaríamos de 250 mil vagas no sistema para dar conta dos atuais presos e de todos os que já estão condenados pela justiça - ou seja, precisaríamos criar 120 mil vagas imediatamente, o que comprova que a política de construir unidades prisionais, apenas, não é a solução", afirmou o juiz corregedor. Para Otávio, falta uma diretriz clara e objetiva que levasse o sistema a recuperar estes 80% de encarcerados.

Outro fato apontado como gravíssimo pelo corregedor é a falta de repasse de dados entre polícia e justiça. "Hoje, o atraso no repasse de dados de um sistema para outro é de 1 ano. Desta forma o juiz, ao dar parecer sobre algum benefício pleiteado por um preso, muitas vezes tem de basear-se em informações defasadas no tempo em até um ano, o que pode carrear injustiças", afirmou o juiz. Otávio Augusto recomendou a imediata separação da massa carcerária, com isolamento deste grupo de 20% que domina as cadeias. "Desta forma, muitas das rebeliões e irregularidades terminariam", afirmou o corregedor.

O diretor da Corregedoria da Polícia Civil do Estado de São Paulo, Roberto Maurício Genofre, em depoimento à CPI do Sistema Prisional, disse que os fatos que estão sendo apurados relativos à denúncia de prática de tortura na Cadeia Pública de Itaquaquecetuba ofendem os direitos à cidadania. A CPI colheu também os depoimentos do promotor de Justiça Gabriel César Inellas, do delegado titular da Delegacia de Polícia de Itaquaquecetuba, Antônio da Costa Pereira Neto e dos corregedores assistentes Pedro Herbella Fernandes e Délio Marcos Montrezoro.

Sindicâncias

Genofre iniciou seu depoimento fazendo um retrospecto dos acontecimentos, a partir de sua posse no cargo no final do mês de dezembro de 2001. De acordo com ele, ficou sabendo das denúncias através de um telefonema feito por uma jornalista do Diário de S.Paulo que queria saber o que havia ocorrido em Itaquaquecetuba durante o ano de 2001, envolvendo delegados de distritos. "Ela me disse que os presos eram encaminhados para aquele distrito sem nenhuma autorização, como uma espécie de castigo. Os presos transferidos para lá seriam espancados e torturados por outros presos chamados de ''galerias'' - justiceiros e autores de homicídios e estupros que não podem ficar nas celas junto com os outros presos. Os ''galerias'' teriam assumido a direção disciplinar de Itaquaquecetuba", relatou o corregedor que afirmou ter dito à jornalista que não tinha conhecimento sobre os acontecimentos. "O telefonema me foi dado na sexta-feira e na segunda-feira seguinte a matéria estava com destaque no jornal."

Em seu depoimento, Roberto Maurício Genofre disse que, após saber das denúncias, procurou se informar sobre o caso. "O inquérito já havia sido instaurado e encaminhado e li os autos de sindicância." As sindicâncias eram duas: uma em São Paulo, sobre a remoção dos presos para Itaquaquecetuba, e outra, sob a correição de Mogi das Cruzes, que investigava as denúncias de espancamento. Segundo o que apurou o corregedor, 20 distritos transferiram presos para Itaquaquecetuba.

"Designei dois assistentes para aprofundarem as investigações, também no interior, ouvindo os presos que teriam sofrido as torturas e os acusados de cometê-las", disse Genofre. Os dois delegados que auxiliam Genofre, Pedro Herbella Fernandes e Délio Marcos Montrezoro, têm visitado diversas cadeias públicas e delegacias do interior em busca de depoimentos.

De acordo com o que já levantaram, em 1998 os presos já haviam feito um abaixo-assinado denunciando a prática de tortura por parte dos "galerias". O chefe dos "galerias" conhecido como Jesson e outros quatro presos teriam sido transferidos do distrito da Penha, em São Paulo, em 1998, e iniciado sua ação na Cadeia Pública de Itaquaquecetuba. Além dos espancamentos, o grupo teria assumido a chefia da cadeia, cobrando para remover os presos de volta para São Paulo, "o bonde". Outra denúncia que vem sendo apurada é a de que os ''galerias" faziam até a escolta dos demais presos quando estes iam prestar depoimento nos fóruns. Eles o fariam portando armas de fogo.

Tanto acusados como acusadores foram removidos paulatinamente para outros distritos, inclusive para o interior do Estado. Uma possibilidade é que tenham sido espalhados para dificultar as apurações. Outra, é que tenham sido apenas devolvidos aos seus locais de origem numa tentativa de solucionar o problema. As cadeias de Mirandópolis, Pirajuí, Presidente Bernardes e Avaré, entre outras, já foram visitadas pelos delegados Délio e Herbellas na busca de vítimas das agressões. De acordo com a Corregedoria, falta ouvir os "galerias" Jesson, Cacá, Favela, Olavo Rosa, Domingos, Casa Grande, Cabelo e Sem Pescoço, entre outros. A falta de dados sobre eles, como a própria identificação correta, dado o uso de apelidos por praticamente todos, dificulta ainda mais as investigações.

Relatório

Gabriel César Inellas, promotor de Justiça, disse em seu depoimento que visitou as instalações da Cadeia de Itaquaquecetuba após a rebelião ocorrida em maio deste ano, na qual morreram dois presos e duas das quatro celas ou "cubículos" foram destruídas. Inellas também recebeu a denúncia de que a carcereira Maria Aparecida Novaes, vulgo Cidinha, havia facilitado a fuga de presos, serviço pelo qual teria recebido R$ 2 mil e um automóvel.

No final de maio, Cidinha teria passado serras, drogas e facas aos presos para uma possível rebelião. O inquérito deverá ser encaminhado para a Corregedoria da Polícia Civil. Inellas recebeu também um relatório do deputado estadual Emídio de Souza (PT) com denúncias de que dois detentos teriam sido torturados pela chefe da carceragem, Margarida, e por Cidinha.

Respondendo ao deputado Wagner Lino (PT), o atual delegado titular de Itaquaquecetuba, Antônio da Costa Pereira Neto, lembrou que assumiu o cargo há apenas um mês e que hoje há 39 presos na cadeia pública. Quando assumiu, eram 190. Segundo ele, o objetivo é que fiquem apenas 20 presos no local.

O corregedor lembrou que na época dos acontecimentos o delegado José Carlos Viegas era o responsável por comunicar a chegada dos presos, e que ainda não se sabe de quem foi a responsabilidade pelo que ocorreu. "A pena é imputada pelo Poder Executivo e supervisionada pelo Judiciário". Ele ressaltou que fatos como esses podem resultar numa melhor organização do Estado nessa área.

Para o corregedor, os fatos denunciados são de extrema gravidade e não devem ser o comportamento da polícia de lugar nenhum do mundo. Wagner Lino mostrou-se preocupado com a falta de uma carreira própria para a Corregedoria, o que poderia facilitar seu trabalho. A dificuldade em encontrar policiais que queiram trabalhar na Corregedoria também foi mencionada por Genofre.

Segundo os depoentes, o caso de Itaquaquecetuba deverá ser investigado com cuidado e a apuração das denúncias poderá demandar tempo. "Temos de ter cautela na apuração de um caso que foge da normalidade", disse Herbella.

"Temos um compromisso com a verdade. As apurações vão continuar e a prova testemunhal terá de substituir o exame de corpo de delito", afirmou o corregedor.



CPI ouve Juiz Corregedor

A Comissão ouviu depoimentos do juiz corregedor dos presídios e ex-diretores dos Centro de Detenção Provisória I e II, da região de Osasco. A reunião foi marcada pelo depoimento do juiz José Marcos Silva, corregedor dos Presídios e Polícia Judiciária daquela região.

Nas explicações do corregedor, ficou patente que as rebeliões - motivo do convite a sua presença na CPI - sempre aconteceram em decorrência da falta de funcionários e de pessoal treinado e da condição das construções, que, segundo ele, "são totalmente inadequadas, feitas com material grosseiro e fora das especificações do projeto inicial". Para ele, a soma destes dois fatores propicia rebeliões e fugas constantes dos presos, tornando explosiva a situação nos CDPs.

Mozart Sauvio Barbosa, ex-diretor do CDP I e Jurandir Ferraz de Lima, ex-diretor do CDP II, relataram que sua experiência confirma a exposição do juiz, ressaltando que os problemas primordiais dizem respeito à falta de recursos humanos com preparo e experiência e à utilização de material totalmente impróprio na construção dos presídios. Não há pessoal suficiente para realizar as revistas diárias e a precariedade do prédio facilita a construção de túneis, comuns nas fugas de presos.

Para o juiz, a sociedade tem interesse na resolução dos problemas prisionais, uma vez que esta questão aflige a todos. Segundo ele, parte dos problemas poderia ser resolvida com a inclusão de ala de trabalho nos presídios e com a participação da família dos presos. Ele acredita que a regionalização dos presídios é fundamental para que a família não se distancie do preso, deixando-o mais revoltado e propenso a rebeliões. Como forma de incluir a família, sugeriu o fornecimento de refeições abaixo do custo, que seriam suspensas caso o parente preso participasse de rebeliões. Quanto ao problema das construções, a CPI encaminhou ofício ao secretário de Estado da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, solicitando as especificações das construções dos CDPs e laudos do IPT sobre as construções já prontas, para que sejam comparados às especificações iniciais.

Utilização de detentos

A Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Prisional da Assembléia Legislativa recebeu no dia 6/8 cópias do dossiê e da representação da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, sessão São Paulo, que relata a utilização de detentos nas ações dos policiais militares do Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância (Gradi).

A Comissão ouviu em Taubaté o detento Ronny Clay Chaves. O preso foi colaborador do Gradi - Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância e, por meio de uma carta, afirmou que o secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, tinha conhecimento e participava da articulação de ações ilegais de policiais militares que utilizavam detentos para infiltrá-los em quadrilhas mediante a troca de armas, dinheiro, celulares, carros e promessas de diminuição de pena.

alesp