PRIVATIZAÇÃO NÃO É SAÍDA PARA FALÊNCIA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO - OPINIÃO

Renato Simões*
23/03/2001 14:51

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A crise do sistema penitenciário tem motivado as mais diversas reações e inúmeras sugestões para a sua superação. Isso ocorre em função da falência de todo o sistema público prisional. Frente à necessidade de se buscar saídas, a privatização do sistema é tema recorrente: há uma crença quase que generalizada de que a transferência de serviços públicos deteriorados para a iniciativa privada significaria melhor atendimento.

No caso específico do sistema penitenciário, não podemos conceber como a necessidade de gerar lucros será compatível com o atendimento a ser realizado. Se considerarmos que no modelo privatizado o produto do trabalho dos reeducandos será a contrapartida pela administração, parece-nos razoável sugerir que a privatização do sistema penitenciário seria o método civilizado e socialmente aceitável de agenciar trabalho escravo. Não podemos, pois, concordar com a privatização, nem com a sua forma intermediária de "terceirização".

A terceirização, mantém a responsabilidade do Estado e transfere uma atividade sem riscos - que permanecem sendo suportados por toda a sociedade - com garantia de remuneração para a iniciativa privada. A experiência concreta existente - adotada pelo governo do Estado do Paraná, na Penitenciária Industrial de Guarapuava - demonstra a lógica perversa que tem acompanhado todos os processos de privatização ou terceirização dos serviços públicos.

Inaugurada em novembro de 1999, a Penitenciária Industrial de Guarapuava destina-se a 240 reeducandos, de bom comportamento, não havendo notícias de que em algum momento a totalidade das vagas houvesse sido preenchida.

À empresa - que atua em parceria com o governo - além da segurança é responsável pela alimentação, acompanhamento médico, dentário, pedagógico e jurídico dos detentos. Em parte da unidade, foi construída uma ala industrial, onde ficam as instalações de outra empresa que explora a mão-de-obra dos presos em tempo integral.

O custo, em tese, corresponde a R$ 1.000,00 por reeducando, acima da média nacional que corresponde a R$ 750,00. Contudo, o contrato prevê o pagamento de R$ 1.000,00 por vaga, estando ou não ocupada. O custo, portanto, é muito maior.

Estes elementos combinados - pré-seleção dos detentos, oferta de trabalho, pequenas unidades, condições adequadas para o cumprimento da pena, sem a superlotação característica das unidades prisionais - certamente conduziriam a bons índices de ressocialização, com pequenos índices de reincidência.

Resta claro, pois, que não se trata da gestão privada e, sim, da gestão de conformidade com o que dispõe a lei de execuções penais: a prévia avaliação do reeducando, de forma a possibilitar a individualização do cumprimento da pena; o número adequado de reeducandos por unidades prisional; a separação entre os autores de delitos graves, violentos, e entre os reincidentes ou não; a oferta de trabalho; enfim, o cumprimento do que dispõe a legislação. Dadas estas condições, os resultados certamente seriam outros.

O Estado não pode se eximir de sua responsabilidade em relação à segurança. É função constitucional e moral do Estado assegurar um sistema que não apenas puna o infrator, mas que o prepare para o retorno ao convívio social e, nesse sentido, previna o crescimento da violência e a ocorrência de novos delitos.

A superação da crise do sistema penitenciário certamente passa pelo cumprimento das disposições legais e não pela alteração da gestão, transferindo-a às empresas privadas. Até porque a experiência nos mostra que a sociedade ainda arcará com o custo mais elevado.

*Renato Simões é deputado Estadual (PT) e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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