A Semana de 22: moderna, mesmo aos 81 anos.


11/02/2003 18:30

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Perdidos entre as páginas dos jornais de fevereiro de 1922, pequenos "reclames" anunciavam o Festival de Arte Moderna, abrihantado pela participação de Guiomar Novais e Heitor Villa-Lobos. Mas quem se dispôs a desembolsar os 186 mil réis que davam direito às três récitas levou um susto. Ao transpor os degraus de acesso ao Teatro Municipal, os cavalheiros de fraque e cartola, acompanhados de damas elegantemente vestidas, paravam estarrecidos.E não era para menos: convertido em museu improvisado, o suntuoso hall apresentava pinturas e esculturas que, com raras exceções, desdenhavam de todos os cânones artísticos ensinados nas melhores academias daqui e de além mar.

E pouco adiantava buscar coerência ou rima nos versos declamados no palco. Ali, uma enxurrada de desatinos literários feria sensibilidades refratárias a experimentalismos lingüísticos. Delírios poéticos sobre aeroplanos, sombrinhas e capas de chuva, sapos e guerra provocavam os espectadores, que revidaram numa bem orquestrada vaia regida pelos estudantes do alto das galerias.

Uma profusão de estudos, ensaios e hipóteses surgiu desde então para tentar explicar o fenômeno iniciado naquela Semana de 22. Considerada uma fronteira definitiva no panorama artístico e literário do país, a Semana de Arte Moderna e seus principais artífices, em especial Mário de Andrade, ocupam um lugar privilegiado na historiografia contemporânea. Assim , ao completar o movimento 81 anos, o Diário Oficial do Poder Legislativo presta sua homenagem aos vanguardistas, publicando algumas das obras (versos e pinturas) daqueles que, com raro talento e criatividade, colocaram o Brasil em pé de igualdade com o que de mais moderno acontecia na arte européia e de todo o mundo ocidental, criando e mantendo viva e pulsante uma nova maneira de expressão cultural da brasilidade.



PREFÁCIO INTERESSANTÍSSIMO

Leitor:

Está fundado o Desvairismo.

Este prefácio, apesar de interessante, inútil.

Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para

quem me aceita são inúteis ambos. Os curiosos

terão prazer em descobrir minhas conclusões,

confrontando obras e dados. Para quem me

rejeita trabalho perdido explicar o que, antes

de ler, já não aceitou.

Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem

pensar tudo que meu inconsciente me grita.

Penso depois: não só para corrigir, como para

justificar o que escrevi. Daí a razão deste

prefácio interessantíssimo.

Aliás muito difícil nesta prosa saber onde

termina a blague, onde principia a seriedade.

Nem eu sei.

E desculpe-me por estar tão atrasado dos

movimentos artísticos atuais. Sou passadista,

confesso. Ninguém pode se libertar duma só vez

de teorias-avós que bebeu; e o autor deste

livro seria hipócrita si pretendesse representar

orientação moderna que ainda não compreende

bem.

( Mário de Andrade, Prefácio Interessantíssimo -- trecho)



Fontes: Semana de 22, entre vaias e aplausos - Márcia Camargos (Boitempo Editorial); Poesias Completas de Mário de Andrade (Círculo do Livro); Site www.asemanade22.hpg.ig.com.br

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