( acervo@al.sp.gov.br )Ao longo de sua existência, que em 2005 estará completando 170 anos, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo ocupou quatro prédios. Todas estas edificações marcaram e ainda marcam, histórica, cultural e arquitetonicamente, a Cidade de São Paulo. Dos quatro, dois ainda existem: o Palácio das Indústrias - situado no Parque D. Pedro II e inaugurado em 29 de abril de 1924 -, no qual a Assembléia Legislativa esteve de 1947 a 1968 e que abrigará em breve o Museu da Cidade de São Paulo, e a atual sede do Legislativo Paulista, o Palácio 9 de Julho, inaugurada no dia 25 de janeiro de 1968. Este prédio, projeto do arquiteto Adolpho Rubio Morales, foi o único entre os quatro a ser construído com o fim específico de alojar o Poder Legislativo paulista. Tudo nele, até a mobília, foi então exclusivamente idealizado com este fim.Todavia, dentro da série de textos voltados à cidade de São Paulo no século XIX, vamos nos dedicar às duas primeiras sedes do Legislativo Paulista, de especial significado em sua História. Aqui trataremos de sua primeira sede: o Pátio do Colégio.Trajetórias convergentesEm 25 de janeiro de 1554, onde havia uma pobre casa de barro e pau-a-pique coberta de palha, ocorreu a missa, celebrada pelo padre jesuíta Manuel de Paiva, que marcou a fundação da cidade de São Paulo. Esta casa, situada no atual Pátio do Colégio, era ao mesmo tempo refeitório, dormitório, cozinha, despensa, enfermaria e escola. Em seu lugar, em 1º de novembro de 1556, foram inauguradas novas edificações para a Igreja e o Colégio dos Jesuítas. Este último foi construído em taipa de pilão, caiado com tabatinga - palavra que vem do tupi e designa um barro branco utilizado na caiação de paredes -, dispunha de oito cômodos de sobrado, forrados e assoalhados, e de "oficinas bem acomodadas e, no claustro, um poço de água boa; tendo também um grande pomar, abundante em frutos de variedade estrangeira, horta de verduras e legumes, muros cobertos de parreiras e belo jardim com grande variedade de flores, predominando rosas e cravos vermelhos". O Colégio dos Jesuítas foi, até meados do século XVIII, praticamente o único estabelecimento de ensino da Cidade de São Paulo.Em 1640, por combaterem a escravização dos índios, os jesuítas foram expulsos de sua Igreja e do seu Colégio. A eles retornaram treze anos depois, encontrando a Igreja e o Colégio em estado de ruína pelo abandono a que foram submetidos. Isto determinou que fossem reconstruídos e ampliados, desta vez em "barro apiloado e pedra", entre 1667 e 1671. Em 1745 iniciou-se a ampliação do Colégio, pela incorporação de uma grande ala perpendicular na sua lateral direita. Era um edifício de dois pavimentos, com uma fachada de 18 vãos, entre portas e janelas. Isto deixou o conjunto com 44 cômodos no andar superior e 25 no térreo. Nele, em 1746, Dom Bernardo Rodrigues Nogueira, primeiro bispo da Diocese de São Paulo, instalou o Palácio Episcopal.Em 1759 a Companhia de Jesus foi abolida em Portugal e nas suas colônias e os jesuítas deixaram o Colégio em janeiro de 1760, sendo ele e seus bens confiscados pela Coroa portuguesa. Esta determinou que o edifício, a partir de 1765, se convertesse em Palácio do Governo e residência oficial dos Capitães-Generais Governadores de São Paulo. Com a proclamação da Independência do Brasil, o edifício continuou abrigando os Presidentes da Província paulista e várias repartições públicas.Por meio da Lei Imperial nº 16, de 12 de Agosto de 1834, ocorreu a reforma, conhecida como "Ato Adicional", da Constituição do Império do Brasil, na qual foram estabelecidas as Assembléias Legislativas Provinciais. Por determinação do Presidente da Província de São Paulo, o brigadeiro Raphael Tobias de Aguiar, foram marcadas eleições para o dia 9 de novembro de 1834 e o início dos trabalhos do Legislativo Paulista para o dia 2 de fevereiro de 1835. Como não havia um local amplo o suficiente para abrigar o Legislativo Paulista, o Presidente da Província determinou que a ele fosse destinado um espaço no Palácio do Governo, transformando-o em sua primeira sede. Assim, daquela data até 1879, quando a Assembléia Provincial ocupou outra sede, fundiam-se as trajetórias do Legislativo Paulista e do marco de fundação da Imperial Cidade de São Paulo.Instalação da Assembléia ProvincialEm sessões preparatórias realizadas em 31 de janeiro e 1º de fevereiro de 1835 foram reconhecidos os diplomas dos deputados eleitos. No dia 2 de fevereiro foi instalada a Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo, recebido o Presidente da Província, que leu a sua "Fala" - como então eram conhecidas as mensagens do Executivo - e eleita a Mesa, assim constituída: Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (presidente); Manoel Dias de Toledo (1º Secretário); Antônio Manoel de Campos Mello (suplente); Manoel Joaquim do Amaral Gurgel (2º Secretário) e José Antônio Pimenta Bueno (suplente).Antônio Egídio Martins, importante cronista paulistano e também funcionário graduado da Repartição de Estatística e Arquivo do Estado de São Paulo, em seu livro São Paulo Antigo (1554-1910), de 1912, narra o fausto da solenidade:"O ato da instalação da Assembléia Legislativa Provincial foi revestido de grandes demonstrações de regozijo, tendo o presidente da Província ordenado que ao despontar da aurora se desse, no mencionado dia 2 de fevereiro de 1835, uma descarga de artilharia de 21 tiros e, às 9 horas da manhã, marchassem para o largo de S. Gonçalo, hoje praça Dr. João Mendes, o 1º e 2º batalhões de Guarda Nacional, o esquadrão de cavalaria, as praças disponíveis do 6º batalhão de caçadores de 1ª linha e das companhias de infantaria e cavalaria de municipais permanentes, e ali formando-se em brigada. Assumiu o comando da mesma o coronel João Francisco Belegarde e o tenente Ignácio Dias Leme o comando do parque de artilharia descendo, às 10 horas da manhã, a brigada daquele largo para o do Palácio, onde se formou em linha para fazer o cortejo ao corpo legislativo provincial e para dar três descargas de infantaria alternadas com as de artilharia depois de realizada a sua instalação, dando-se também, ao pôr do sol, outra descarga de 21 tiros de artilharia. A Câmara Municipal, assim como todas as autoridades civis e militares, compareceram ao ato de instalação da Assembléia Provincial."A arquiteturaO mesmo cronista prossegue e nos dá alguns detalhes sobre as instalações e condições de funcionamento do Legislativo Paulista:"A porta de entrada para o Paço da Assembléia era junta da torre da antiga Igreja do Senhor Bom Jesus do Colégio [...]. No andar térreo da parte ocupada pela assembléia existia um salão ou portaria do antigo convento, no qual aquartelava a guarda de pessoa do presidente da Província, lugar este em que até hoje se conserva a mesma guarda. Ao lado direito desse salão havia uma velha escada de degraus largos e bastante estragados que dava acesso para o recinto, secretaria e galerias da Assembléia e para o coro e torre da Igreja do Colégio.As galerias da Assembléia, apesar de acaçapadas, eram, durante o dia, muito escuras, e, à noite, quando havia sessão, os freqüentadores das mesmas sofriam bastante por causa da falta de luz, não só na escada como nos corredores, levando muitos deles encontrões ou quedas, o que dava lugar a gostosas gargalhadas, aparecendo então, o guarda das galerias munido de uma vela de sebo, para verificar o que se estava dando, e, ato contínuo, colava na parede do corredor a mesma vela, cessando assim as reclamações e risadas que costumavam freqüentar as galerias.A iluminação do recinto da Assembléia, nas sessões noturnas, era feita em dois ou três candelabros de três velas de esparmacete cada um, de modo que elas pouco clareavam o mesmo, sendo bastante difícil, por esse motivo, distinguir-se das galerias as pessoas dos deputados que se achavam presentes às mesmas sessões noturnas."O ministro plenipontenciário da Suíça no Brasil, J. J. Tschudi, que por volta de 1861 esteve em São Paulo, assim descreve o conjunto:"O antigo colégio dos jesuítas é outro edifício decorativo que está situado no lugar chamado Largo do Colégio (Praça dos Jesuítas), formando dois lados do mesmo. Numa das extremidades está a igreja, abafada e de linhas comuns. Ao lado dela há uma casa de sobrado, em cujo andar térreo, atualmente, funciona a Câmara dos Deputados provinciais; no andar superior existem repartições públicas. No outro lado, em ângulo reto, está a ampla residência do Presidente, à qual se vai por uma entrada mal planejada, coberta por telhado em forma de dossel. As peças internas são amplas e com franco aspecto de quartel, e nada lembra o tão refinado gosto arquitetônico dos padres da Sociedade de Jesus. As divisões internas devem ter sido muito úteis aos fins a que se destinavam. Nenhum outro edifício público, nem o palácio do arcebispado, nem o teatro são dignos de menção."Já o viajante português Augusto-Emílio Zaluar, que esteve aqui na mesma época em que o suíço, chamou a atenção para a influência dos jesuítas sobre o caráter dos paulistanos, que classificou de "taciturno e reservado":"É que o antigo colégio da Companhia de Jesus, destinado depois à conversão dos Índios [...], conserva ainda hoje, em seus habitantes, em seus costumes e em suas usanças, alguns traços tradicionais, esse cunho de misteriosa concentração que os jesuítas sabiam imprimir por toda a parte, não só ao povo como aos edifícios, e, o que é ainda mais, à natureza e ao próprio ambiente que os rodeava."Demolição e reconstituiçãoLogo após a mudança do Legislativo Paulista para outra sede, sob a presidência de Florêncio Carlos de Abreu e Silva, o prédio do Palácio do Governo sofreu uma grande intervenção. Em julho e agosto de 1881 foi derrubada a ala perpendicular e a fachada do que restou sofreu uma modificação que descaracterizou completamente o Colégio dos Jesuítas. A Igreja do Colégio, por sua vez, degradou-se de tal forma que, em março de 1896, seu teto desabou, o que determinou sua demolição.Desaparecida a Igreja, o edifício do velho Colégio continuou abrigando os governantes paulistas até 1908, quando foi demolida a área reservada à moradia dos presidentes e, a partir de 1912, o Palácio dos Campos Elíseos passou a ser a residência oficial. Utilizado como Chancelaria do Poder Executivo, nele instalou-se, em 1932, a Secretaria Estadual de Educação. Em 1953, com a mudança da Secretaria, iniciou-se a demolição do que sobrara do velho Colégio, dele restando uma parede de taipa, relíquia arquitetônica ainda hoje conservada.Em 1954, por ocasião das comemorações do IV Centenário de São Paulo, a Assembléia Legislativa aprovou a Lei nº 2.658, de 21 de janeiro, de autoria do deputado Yukishigue Tamura, que transferia o terreno onde estavam edificados o Colégio e a Igreja dos Jesuítas à Sociedade Brasileira de Educação, mantenedora das "Obras Sociais, Catequéticas e Educacionais da Companhia de Jesus", destinando-o à reconstituição de ambos. Apesar de uma série de dificuldades originadas pelas mais diversas razões, mas sobretudo de natureza econômica, em 1979 foi inaugurado o novo Pátio do Colégio. Fixava-se, desse modo, a memória da constituição da Cidade de São Paulo e, também, a da primeira sede do Legislativo Paulista.