CABEÇAS DE ANTEONTEM - OPINIÃO

Milton Flávio*
09/08/2001 13:00

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Parece não haver dúvida de que há forte desejo da sociedade de que se passe, para usar expressão surrada, o país a limpo. Há um clamor evidente por ética - e não só na política, mas em todas as relações. Os consumidores estão cada vez mais exigentes - o que força empresas a melhorar a qualidade dos produtos ou serviços que prestam. Quem não agir assim perderá mercado. Os cidadãos mostram-se cada vez menos propensos a tolerar privilégios para quem quer que seja. Esse sentimento de cobrança é da maior importância, na medida em que contribui para que seja gradativamente abolida uma das piores pragas nacionais: o corporativismo, que cega e acanalha.

Não se trata de negar o direito de as pessoas se unirem para defender aquilo que julgam ser os seus direitos, desde que, evidentemente, isso não implique desrespeito às leis. O problema é que as normas vigentes nem sempre correspondem aos anseios da sociedade, nem sempre refletem o que se poderia considerar justo. Nesse caso, não há outra saída que não alterá-las, tendo sempre em vista o bem-estar da maioria. Tolerar privilégios, por menores que possam parecer, é justificar a desigualdade, e contribui para consolidar a idéia de que, por obra e graça não se sabe de quem, uns são mais iguais que outros.

Pelas regras atuais, como se sabe, um deputado não pode ser processado e julgado - ainda que tenha matado ou mandado matar seu desafeto político, ou ainda que tenha assaltado os cofres públicos - sem autorização prévia de seus pares. Só um réu confesso, ou um candidato a promover ilegalidades futuras, pode considerar justa aberração dessa natureza. A imunidade virou impunidade parlamentar. É de se esperar que o Congresso Nacional, finalmente, ponha fim, ainda neste semestre, a essa excrescência. Não há nada que justifique - exceto o corporativismo de alguns - sua perpetuação.

Sempre me pareceu absurdo que sindicatos surgissem, sobrevivessem e prosperassem, graças à contribuição obrigatória a que estavam sujeitos todos os trabalhadores com carteira assinada, inclusive os que (a maioria) não eram sindicalizados. Não foi por acaso que tivemos tantos dirigentes pelegos. Não foi por acaso também que, em determinado período, montar sindicatos foi tão lucrativo quanto fundar igrejas e abrir casas de bingo. Ora, sindicatos deveriam ser mantidos por seus filiados. O problema é que a contribuição obrigatória sempre foi sopa no mel para os espertos, na medida em que lhes concede recursos fáceis e os desobriga da tarefa de conquistar novos membros. Se o dinheiro está no banco, para que atrair eventuais opositores?

Raciocínio semelhante vale para as entidades estudantis. Por conta de uma legislação ultrapassada, elas se transformaram em cartórios - a quem foi conferido o direito absurdo e exclusivo de manter o monopólio da emissão de carteirinhas. Sem elas, os estudantes estão impedidos de pagar meia-entrada em eventos esportivos e culturais. Para obtê-las, não precisam ser filiados, porque isso não interessa a boa parte dos atuais dirigentes estudantis; basta que desembolsem de R$ 15 a R$ 18 para manter a vida mansa dos donos dos cartórios.

Com o objetivo de corrigir essa distorção, apresentei projeto de lei à Assembléia Legislativa de São Paulo que permite aos portadores do RG Escolar (documento fornecido gratuitamente pelo governo do Estado) o pagamento de meia-entrada em cinemas, teatros e praças de esporte. Virei um dos inimigos preferenciais dos dirigentes da UNE, UBES e entidades assemelhadas, que não querem perder os milhões de reais que todos os anos entram em seu caixa e fazem a alegria de certos dirigentes partidários. Os líderes estudantis se recusam sistematicamente a prestar contas do destino dado ao dinheiro arrecadado com a emissão das carteirinhas, talvez porque não possam mesmo justificá-lo.

Tenho a convicção de que, em breve, talvez até o final do ano, essa farra com o dinheiro alheio chegue ao fim e que todos os estudantes passem a ter os mesmos direitos. Como se vê, o corporativismo não é algo que move apenas os mais velhos, nem apenas políticos e sindicalistas. Cabeças de anteontem não têm data para nascer nem ocupação predeterminada.

*Milton Flávio é deputado estadual pelo PSDB e presidente da Comissão de Assuntos Internacionais da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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