Domingo - 8 de agosto de 1954


08/08/2004 18:12

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Ainda não amanhecera quando foi tomado em termos o depoimento de Nelson Raimundo, gravado em discos de acetado (ainda não existia gravadores de fita) como prova e para resguardar da melhor forma possível a grave denúncia. Depois da ligação de Nero Moura, o ministro Tancredo Neves, ainda em sua casa, telefonou para o general Caiado de Castro, chefe da Casa Militar da presidência, informando-o dos novos fatos e convidando-o a comparecer ao palácio do Catete, onde se encontrariam.

Tancredo Neves seguiu primeiramente em direção ao quartel, enquanto o general Caiado se comunicou por telefone com o chefe do pessoal do palácio, major Ene Garcez, e determinou-lhe que comparecesse imediatamente ao Catete, para onde também se dirigiria. A preocupação era a identificação do membro da guarda e que não se evadisse do local.

Ao saber da vinda de Tancredo, o brigadeiro Eduardo Gomes, segundo palavras do ministro Nero, "pulou fora...". Ao chegar o ministro da Justiça, ouviu pessoalmente o que Nelson havia dito em seu depoimento, reafirmando o envolvimento de integrante da guarda pessoal do presidente da República no crime. Nero Moura, preocupado, sugeriu a Tancredo que comunicasse ao presidente Getúlio Vargas a grave denúncia. Como era ainda muito cedo (5:00 horas), informou que iriam primeiro ao encontro do general Caiado na sede do governo.

Para o palácio do Catete, rumaram Tancredo, Nero e o coronel Adil, onde se encontraram com o general Caiado em seu gabinete, que foi informado com maiores detalhes do depoimento de Nelson Raimundo. De imediato, mandou chamar o chefe da guarda pessoal do presidente, tenente Gregório Fortunato, que ao ser indagado pelo chefe da Casa Militar sobre a existência de alguém chamado Climério, com evasivas, respondeu: "Não, não. Agora não tem. Acho que já tivemos esse nome aqui. Ele já pertenceu à guarda, mas há muitos anos". Adil fez algumas perguntas e descobriu que Gregório conhecia, sim, Climério e que era até seu compadre. Apesar de ter-se comprometido em apresentar Climério, Gregório, sabedor dos fatos ocorridos no quartel da PM, havia mandado o denunciado fugir. Alguém avisara o chefe da guarda.

Caiado afirmou a Garcez e a Gregório: "Temos que apanhar esse homem de qualquer maneira". Desconhecendo o paradeiro de Climério, foi chamado o secretário da guarda João Valente de Sousa, que afirmou até desconhecer o seu endereço. Chegaram ao palácio do Catete o chefe de polícia, general Armando de Morais Âncora e o promotor Cordeiro Guerra. O general Aguinaldo Caiado de Castro mandou Gregório ligar para Climério e chamá-lo até o palácio, mas, retornando, informou: "telefonei para minha comadre. Ele não está em casa..."

Logo após o atentado, Getúlio Vargas indagou ao chefe da guarda: " Gregório, alguém da guarda está envolvido nisso?" Ele respondeu que não. O presidente reiterou a pergunta e teve a mesma resposta.

Ao ter conhecimento das novas e graves notícias, o presidente mandou chamar novamente Gregório e lhe perguntou: "E tu, Gregório, não estas metido nisso?" Pela reação de Gregório Fortunato, que não respondeu olhando nos olhos e sim para chão, o presidente não guardou silêncio e manifestou claramente o seu pensamento: " Ninguém me convence de que não estejas nesse caso..."

O até então fiel escudeiro, envergonhado e profundamente humilhado, retirou-se do gabinete presidencial e comentou com seus companheiros o ocorrido. A fala sincera e firme do presidente o havia deixado magoado.

Às 9 horas, por convocação do presidente da República, teve início uma reunião com as autoridades presentes no palácio. O governo fez um balanço da situação e, então, tranqüilo, reconheceu que estava em condições de resistir a quaisquer investidas contra ele. Entre as importantes decisões tomadas estavam: a captura de Climério e a demissão do chefe de polícia, general Armando de Morais Âncora. Foi escolhido, então, em substituição, o coronel Paulo Torres, comandante do 3ª Regimento de Infantaria, com sede em Niterói. E por sugestão do ministro Tancredo Neves foi proposta a extinção da guarda pessoal, que foi aceita por Vargas.

O presidente Getúlio Vargas, consciente de tudo que passava a seu redor, declarou, após o término da reunião já em seu gabinete, ao general Caiado, que daquele momento em diante poderia tomar todas as providências necessárias para o esclarecimento do crime, sem atender a formalidades nem a regulamentos, inclusive franqueando o palácio às autoridades que ali quisessem realizar diligências E afirmou ainda: "Prenda qualquer pessoa no palácio que esteja envolvida no crime, sem mesmo me consultar".

Depois da reunião, o coronel Torres, antes mesmo de ter sido empossado em seu novo cargo declarou à imprensa: "Serei inflexível no cumprimento do dever... A ordem é entregar o criminoso à Justiça, seja ele quem for".

O líder do governo na Câmara Federal, o deputado Gustavo Capanema, afirmou que a impunidade só seria prejudicial ao governo. E acrescentou: "O presidente Vargas me disse que esse assassino é o seu maior inimigo".

Pelo país pronunciaram-se várias autoridades e partidos políticos: o governador de São Paulo, Lucas Nogueira Garcez; o prefeito de Porto Alegre, Ildo Meneghetti; o governador de Pernambuco, Etelvino Lins; o ex-governador da Bahia, Otávio Mangabeira; o ex-prefeito de São Paulo, Prestes Maia; o prefeito de São Paulo, Jânio Quadros; o Partido Republicano (PR), Partido Libertador (PL) e o Partido Democrata Cristão (PDC), pela imediata apuração das responsabilidades.

Pelos órgãos de imprensa, a população carioca foi convocada para participar de uma passeata de desagravo a Carlos Lacerda. Milhares de pessoas desfilam pela rua Tonelero, residência do jornalista. Começou a vazar informações de que várias pistas do crime conduziriam ao palácio do Catete.

O presidente Getúlio Vargas convocou para o final da tarde uma reunião ministerial para analisar a situação. Em seguida dirigiu-se para seu apartamento particular, localizado na avenida Rui Barbosa, atrás do Morro da Viúva, entre o Flamengo e Botafogo, para uma reunião com seus familiares e a presença de seus amigos e conterrâneos, o ministro da Fazenda Oswaldo Aranha e o deputado federal Flores da Cunha, para analisar a situação. Durante o encontro afirmou categoricamente: "Carlos Lacerda levou um tiro no pé. Eu levei dois tiros nas costas."

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