Comissões debatem projeto antitabagista em audiência pública


14/10/2008 20:49

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Fernando Capez e Adriano Diogo presidem reunião conjunta da CCJ e CSH<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/10-2008/aud fumo FOT_0006.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

As comissões de Constituição e Justiça e de Saúde e Higiene da Assembléia, presididas respectivamente pelos deputados Fernando Capez (PSDB) e Adriano Diogo (PT), promoveram nesta terça-feira, 14/10, audiência pública para debater o Projeto de Lei 577/2008, do Poder Executivo, que proíbe o consumo de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, e cria ambientes de uso coletivo livres de tabaco.

Na primeira parte da audiência a palavra foi dada aos membros da comissão e parlamentares inscritos para, posteriormente, se manifestarem os representantes de diversas entidades ligadas ao tema.



Tramitação



Adriano Diogo fez um breve retrospecto da tramitação da matéria na Casa que, de acordo com o parlamentar, por suposta manobra do Executivo não dera entrada na CCJ, como os demais projetos. Diogo alegou que o governo sabia que a matéria, por ser inconstitucional, seria rejeitada pelos membros da comissão.

O deputado Barros Munhoz (PSDB), líder do governo, foi designado pela presidência da Casa relator especial para a matéria, em regime de urgência. Em 19/9, a proposta seguiu para a comissão de Saúde e Higiene e recebeu do deputado Marcos Martins (PT) parecer favorável. O parecer de Martins também acatou as emendas 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 16 e 17, na forma da subemenda substitutiva proposta. As emendas 5, 6 e 13 receberam parecer contrário do relator da CSH. (a íntegra do projeto e sua tramitação podem ser consultadas no portal da Assembléia www.al.sp.gov.br)

Diogo reclamou do atraso na análise da matéria por relatores designados pela presidência da Casa. "Hoje, o projeto está na Presidência para designação de novo relator especial", explicou.



Tendências e debates



O objetivo da reunião, conforme ratificou Capez, foi analisar além do mérito da questão, sobretudo, a constitucionalidade da matéria. Os deputados que se manifestaram defenderam o ponto central da matéria, que é a saúde da população, mas discordaram da proposta, ao considerá-la radical por restringir demais a liberdade do fumante.

Os deputados Rui Falcão (PT) e Olimpio Gomes (PV) consideram a medida "demagógica, eleitoreira e oportunista". Falcão ressaltou que o debate está prejudicado devido à inconstitucionalidade da matéria e foi além: "O mais correto seria proibir a fabricação do cigarro, mas isso seria inviável".

Capez explicou que, caso aprovada, a lei estadual fica prejudicada devido à existência da Lei Federal 9.294/1996 sobre o mesmo assunto. "O que caracteriza incompatibilidade vertical". De acordo com o parlamentar, no âmbito da competência concorrente, a lei estadual não pode revogar a lei federal.

Na visão do médico e deputado Uebe Rezeck (PMDB), as legislações sobre o tema se complementam. "Vejo que as duas leis se complementam e não se chocam. A lei federal estabelece a existência de fumódromo no mesmo espaço e a estadual diz que os fumantes devem freqüentar estabelecimentos próprios. Não estamos nos contrapondo à legislação federal, mas separando os espaços."

O deputado Edson Ferrarini (PTB) disse que proibir o uso de produtos fumígenos é complicado e lembra que existem outros tipos de drogas, que também devem ser combatidas. Ferrarini citou sugestão da doutora Jaqueline Issa, do Ambulatório de Tabagismo do Instituto do Coração, "de preservar locais totalmente aberto para os fumantes".



Prós e contras



"Não podemos fugir do espírito do projeto, que é fazer com que as pessoas sejam mais saudáveis. Quando se regulamenta o fumódromo, você incentiva o uso do cigarro", comentou João Caramez (PSDB). Ex-fumante e casado com uma fumante, o deputado é autor de duas emendas ao projeto. Uma delas diz que a rede pública de saúde deve ter tratamento terapêutico para as pessoas que desejam parar de fumar.

Outro ex-fumante, Roberto Felício (PT), lembra que existe consenso, inclusive entre os fumantes, que o fumo é prejudicial à saúde. "Tive esse vício por mais de 30 anos e só consegui me livrar dele após tratamento médico. Parei de fumar sem sofrimento, mas sei o quanto é difícil consegui-lo sem ajuda." Felício disse que os não fumantes não são obrigados a fumar sem vontade, mas o Estado não pode proibir o indivíduo que quer fumar de fazê-lo. "Esse projeto tem um espírito norteador interessante. Não podemos nos envolver em questões econômicas", declarou.

Vinícius Camarinha (PSB) também apresentou projeto de lei sobre o assunto na Assembléia, mas, por decisão do Colégio de Líderes, a matéria foi retirada por haver legislação federal sobre o tema. Para ele, o grande problema é a fiscalização da lei. "A lei federal existe desde 1996 e diz que restaurantes, bares e afins devem ter local específico para os fumantes. Contudo, são raras as exceções." Camarinha defende a adoção de medidas alternativas para que o debate tenha continuidade.

Enio Tatto (PT) não é fumante, mas foi produtor de fumo até os 17 anos em sua cidade natal, no Paraná, e considera o projeto do Executivo demagógico. "Já existe legislação a respeito, o que precisamos é de fiscalização eficiente." O parlamentar sugere que sejam adotadas medidas educativas nas escolas e questiona como o governo faria a fiscalização à proibição nos pequenos bares da periferia.

Contrário ao projeto, por considerá-lo oportunista, o deputado Olimpio Gomes (PV) disse que não defende e nem tem ligação com a indústria do cigarro, mas lembrou que a venda de cigarros contrabandeados nas proximidades de delegacias, da sede do Judiciário em São Paulo e demais órgãos públicos é uma realidade. "Proibir o uso do cigarro é fantasioso e vai gerar desemprego e perda de receita", ressaltou.

O último parlamentar a se manifestar foi João Barbosa (DEM) que relatou ter acompanhado por 10 meses a doença de seu sogro, 66 anos, falecido no sábado passado, possivelmente em decorrência do uso do cigarro.



Aula de democracia



O jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior, professor da Faculdade de Direito da USP, elogiou a maneira democrática com que a audiência pública estava sendo conduzida, comentando que seus alunos teriam muito a aprender com essa "aula de democracia". Tércio reforçou a tese defendida pelo deputado Fernando Capez (e por vários deputados que o sucederam) quanto à inconstitucionalidade do projeto, por haver lei federal que regulamenta a questão.



Dois lados



Nenhum orador presente ao evento defendeu o uso do fumo. Entretanto, os profissionais ligados ao setor hoteleiro e de restaurantes entendem que a lei federal já é suficientemente abrangente para garantir aos não-fumantes um ambiente livre das toxinas do cigarro. E acenam para o prejuízo do setor se a lei estadual, muito mais restritiva, for aprovada.

Do outro lado estão os profissionais da saúde, alertando para os males do tabagismo não só para quem é fumante, mas também para os chamados fumantes passivos, trabalhadores e freqüentadores desses locais em que são permitidas as presenças de fumantes e não- fumantes.

A médica cardiologista Jaqueline Issa, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Incor, acrescentou dados às teses de seus colegas da área da saúde, falando da importância de leis mais restritivas e de como elas costumam ser eficazes. A cardiologista indicou a queda no número de fumantes que havia no Brasil antes da proibição dos anúncios de cigarros e do uso do fumo em locais fechados: de 31% da população para 20% atualmente.

Imediatamente após essas advertências, Nelson de Abreu, da Federação de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, ratificou que a lei federal já é suficiente e apontou pesquisa feita pelo Instituto Vox Populi, que mostra 58,4% dos entrevistados considerando o projeto do Executivo restritivo aos direitos do cidadão de fazerem suas próprias escolhas. A pesquisa aponta ainda que 85,2% dos entrevistados concordam que a criação de áreas para fumantes resguarda o direito dos não-fumantes de não serem expostos à fumaça do cigarro.

alesp