A internacional populista

OPINIÃO - *Vaz de Lima
29/10/2003 18:10

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Cena 1 - No início do governo Lula, o Brasil tentou intervir em assuntos internos da Venezuela, fortalecendo o governo daquele país, abalado por uma forte onda de protestos que dividiam a nação. Chegamos a oferecer produtos e serviços para enfraquecer a greve geral que paralisava a Venezuela, agindo no vergonhoso papel de fura-greves internacional.

No final, o papel do Brasil não chegou a tanto, mas demos uma ajuda à Venezuela financiando alguns projetos de parceria. Afinal, como o Brasil é um país rico, pode se dar ao luxo de emprestar aos vizinhos a juros subsidiados. Certamente o eleitor compreenderá....

Cena 2 - O presidente brasileiro visita Cuba e não só não diz uma palavra sobre a situação crítica dos Direitos Humanos naquele país como ainda, mais uma vez, entra com os abundantes recursos financeiros do país em algumas parcerias com o regime cubano.

Para defender o compadre Fidel o presidente brasileiro chega a ofender uma importante organização não governamental - a Repórteres sem Fronteiras - ,que já prestou inumeros serviços à humanidade, com a coragem das suas denúncias, muito ao contrário do ditador cubano, cujo desrespeito à vida de quem discorda dele já provocou repulsa internacional.

Cena 3 - Uma funcionária da ONU ligada à defesa dos Direitos Humanos propõe que seja feita uma inspeção do judiciário brasileiro, em aviltante desrespeito à nossa soberania, e o Presidente desrespeita a independência dos poderes e diz que é realmente uma boa idéia e que já está cansado de tentar submeter este poder.

Cena 4 - A despeito do aperto fiscal e financeiro, o Brasil faz diversas parcerias com outros países do terceiro mundo, sempre entrando com o dinheiro a juros subsidiados.

Cena 5 - Ao mesmo tempo em que financia projetos em outros países, o Brasil opta por manter aberta a possibilidade de sacar as parcelas do empréstimo do FMI, deixando a porta aberta para um aumento ainda maior do endividamento externo.

Cena 6 - O Brasil interfere na política interna da Bolívia, visando destituir um presidente democraticamente eleito que se tornou impopular não por conta de qualquer denúncia de corrupção, mas por ter combatido o tráfico de drogas e não ter aceitado a proposta demagógica de fornecer gás gratuitamente para os bolivianos ao invés de vender o produto para o exterior.

Estas cenas todas parecem demonstrar uma falta de rumo, um emaranhado ilógico de ações contraditórias, mas há sim, infelizmente, uma idéia que organiza estas ações em uma linha coerente: a solidariedade populista. Todas as ações do Brasil visaram proteger governos populistas confrontados com os limites da realidade, ampliando os laços com estes governos e lançando as bases de uma provável rede de solidariedade a regimes que parecem predestinados a mais cedo ou mais tarde ruir de esclerose ideológica.

Os primeiros sinais visíveis no governo federal já demonstram um perfil muito semelhante ao dos países protegidos por sua política externa. Se ainda não chega a mandar quem discorde dele ao paredón, como Fidel, a arrogância com a qual os petistas consideram unilateralmente os assuntos incômodos encerrados - a frase "a discussão está encerrada" tornou-se já um bordão petista - e o maciço investimento em propaganda já são passos para um governo autoritário.

Se Lula ainda não rachou o país de cima a baixo, como fez Chavez, os discursos petistas - atribuindo qualquer crítica a uma conspiração das "elites" - e a tônica cada vez maior nas suas falas na defesa dos pobres e famintos - o que infelizmente não corresponde a ações práticas - já demonstram uma clara tendência de fomentar o conflito e a divisão interna.

O PT não fala aos cidadãos, aos indivíduos; pretende falar em nome do povo, da massa disforme que não pode falar por si. Basta consultar a história para verificar que ninguém que realmente respeitasse os valores democráticos jamais se utilizou deste tipo de argumento.

Este pouco apreço a estes valores, compartilhado por esta rede populista que se tenta criar, assinala algo perigoso. Se não é a ideologia ou os princípios que os unem, só pode ser outro o cimento que vai consolidando este rede de caudilhos, semi-caudilhos, proto-caudilhos que vai se formando. E a única coisa que realmente interessa a eles é o Poder. Assim, a manutenção deste poder é o móvel mais provável desta internacional populista que vai se formando na região.

*Vaz de Lima é líder da bancada do PSDB na Assembléia Legislativa

alesp