Cooperativas e precarização das relações do trabalho são tema de audiência pública

(com fotos) Há empenho de diversas frentes para o fim das falsas cooperativas
13/09/2001 20:31

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DA REDAÇÃO

O deputado Nivaldo Santana (PCdoB) promoveu na tarde desta quinta-feira, 13/9, audiência pública para debater as cooperativas e a precarização das relações do trabalho, atendendo a uma solicitação do Sindicato dos Trabalhadores de Telemarketing (Sintratel). A reunião aconteceu no auditório Teotônio Vilela da Assembléia Legislativa.

Participaram dos debates o procurador do Ministério Público do Trabalho, André Cremonesi; o juiz do Trabalho, Luiz Carlos Godói; a coordenadora do Tribunal Regional do Trabalho, Roseli Nieto Piovesan; a assistente de coordenação do Tribunal Regional do Trabalho, Vilma Gil Dias Bernardes Rio; o presidente estadual da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e ex-presidente do Sindicato dos Petroleiros, Antonio Carlos Spis; Marcos Roberto Emílio, presidente do Sintratel; a deputada Maria Lúcia Prandi (PT) e o deputado Jamil Murad (PCdoB).

Segundo os componentes da mesa de discussão, o que se combate não são as cooperativas, mas sim as falsas cooperativas. Nivaldo Santana destacou a existência, na Assembléia legislativa, de uma frente parlamentar em defesa do cooperativismo e afirmou que a audiência pública visa trocar idéias e polemizar em torno do tema.

A inviabilidade do trabalho cooperativado em alguns tipos de serviço e empresas, como as de telemarketing, que hoje agregam 120 mil pessoas apenas na cidade de São Paulo, foi enfocada pelo presidente do Sintratel e endossada pelos demais. "A falta do registro em carteira faz com que o setor venha se desqualificando", disse Emílio.

Missão constitucional

"Não adoto qualquer postura política" foi a frase usada por Cremonesi para iniciar sua explanação, na qual lembrou os ataques sofridos muitas vezes pelo Ministério Público Estadual, Federal e do Trabalho. No caso do MPT, Cremonesi disse estar sendo atacado por causa dos inquéritos abertos para investigação de cooperativas. "O MPT está cumprindo sua missão constitucional de instaurar inquéritos quando há uma denúncia." De acordo com ele, para o MPT as cooperativas de trabalho são divididas em três gêneros: as de produção (categoria na qual estão as cooperativas formadas por funcionários que assumiram empresas falidas), que são regulares; as de serviço (nas quais o trabalhador exerce função notadamente autônoma como cooperativas médicas e de taxistas), que são regulares; e as de mão-de-obra (que se prestam única e exclusivamente a intermediar mão-de-obra), "e são verdadeiras anomalias".

Pouca vergonha

O procurador lembrou que os princípios legais que regem o cooperativismo não são respeitados pelas cooperativas enquadradas na terceira categoria. Princípios como a adesão voluntária, a inexistência de objetivo de lucro, o direito a voto nas assembléias e a distribuição de sobras líquidas, por exemplo, não têm sido respeitados. Outra característica dessas cooperativas, ressaltada por todos os debatedores, é que o trabalho nunca é eventual, mas habitual e personalizado, com jornadas normais de trabalho, controle de ponto e subordinação. Segundo Cremonesi, existe até um site que oferece apoio jurídico para empresas transformarem seus empregados em cooperados. "O Ministério Público não vai aturar essa pouca vergonha."

Proliferação de cooperativas

Para Vilma Gil Bernardes Rio, para que se faça uma análise correta "é preciso ter em conta que essa problemática se insere num contexto mais amplo, de globalização e mudança do modelo de produção". De acordo com ela, ao se passar do modelo fordista para o toyotista (com o fracionamento da cadeia produtiva), com vistas à melhoria da competitividade e a conseqüente terceirização. "A idéia deveria ser a de excelência do produto e de carona conseguir-se a redução do custo. Do ponto de vista da economia, portanto, o novo modelo está justificado." O cooperativismo moderno teria surgido como alternativa ao capitalismo e ao socialismo exacerbados, e "com a alteração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1994, que desvinculou o que toma o serviço do cooperado houve uma proliferação das cooperativas que perceberam esse nicho empresarial. Mas houve uma proliferação também de uma coisa que não é cooperativa." Para justificar sua afirmação, Vilma ressaltou que se essas cooperativas, como as de serviços de limpeza, de telemarketing, de processamento de dados e de atividades múltiplas, são perfeitas do ponto de vista da forma, "todos os princípios que traçam o que é uma cooperativa são burlados". Ela lembrou ainda um outro aspecto do assunto: não é porque o cooperado é considerado dono do negócio que está feliz. "Nem todos têm vocação para isso ou para arcar com o ônus de uma atividade econômica sobre a qual não tem sequer idéia do que seja."

Sexteirização

"A transformação do mundo do trabalho levou à precarização e até ao trabalho escravo. Há um esgarçamento do tecido social brasileiro", afirmou Antonio Carlos Spis. Para ele, os problemas de saúde causados pelas diversas profissões, como a Lesão por Esforço Repetitivo (LER), podem ser acentuados no caso dos petroleiros. "Na minha profissão o trabalhador morre. A Petrobrás mata dois petroleiros por mês desde 1998. Com o afundamento da plataforma (P-36) isso ficou mais visível", afirmou Spis, completando que isso vem ocorrendo devido à terceirização. De acordo com ele, em Paulínia há 600 petroleiros concursados e 1.200 terceirizados que não teriam a experiência e a noção da periculosidade do trabalho. Spiz denunciou que em alguns locais já se vê a "sexteirização" dos serviços. "Temos esperança que isso possa mudar, a partir de um olhar mais crítico da sociedade."

Trabalho escravo

De acordo com a coordenadora da Delegacia Regional do Trabalho, Rosely Piovesan, o Ministério do Trabalho não tem nada contra o cooperativismo, mas tem encontrado situações em que existem condições indignas de trabalho e até trabalho escravo, escondido sob o nome de cooperativa. A coordenadora afirmou que há trabalho escravo de "cooperados" no Vale do Ribeira e que para que se desenvolva o cooperativismo no Brasil, "que é muito bom", é preciso que se faça um trabalho de base. Ela destacou o cooperativismo responsável, aplicado em várias cooperativas e afirmou que o MT combate o falso cooperativismo. "O verdadeiro nós aplaudimos e incentivamos", disse.

Falta de ética

O juiz Luiz Carlos Godoi afirmou que não estava representando nem o Tribunal do Trabalho e muito menos a Justiça do Trabalho e lembrou que as cooperativas não são instrumento de qualquer linha ideológica e são utilizadas em países socialistas e capitalistas, além de o sistema ser tão antigo quanto o próprio direito do trabalho. Para ele, se há a execução de atividade fim por uma cooperativa, ela é na verdade uma empresa. "Há jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho", disse. O juiz destacou os outros itens já citados pelos demais, que comprovam que as cooperativas que se enquadram nesses casos são falsas. "Em última análise, elas revelam uma falta de ética. Segundo ele, mesmo respeitando-se o princípio da legalidade e a pretexto de se estar agindo em consonância com a lei, pode-se estar indo contra a ética. "As relações sociais não podem prescindir de uma ética." Ele disse que os ataques terroristas nos Estados Unidos foram um "espetáculo dantesco de falta de ética", que essas mudanças não ocorrem do dia para a noite e que se houvesse ética não seria preciso o Ministério Público e o Ministério do Trabalho fiscalizarem as cooperativas. "Se não se partir daí, nenhuma lei será forte o suficiente para impedir a fraude."

Os deputados Jamil Murad (PCdoB) e Maria Lúcia Prandi (PT) destacaram a importância do encontro e a possibilidade da intensificação da exploração dos trabalhadores com o recrudescimento da crise.

alesp