Sonhos de Kobayashi

Opinião
27/04/2005 18:19

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A cultura japonesa tem uma relação com a morte diferente daquela a que estamos acostumados. Para nós, falar da morte é um tabu, uma coisa de mau agouro, até se evita o termo utilizando eufemismos e subterfúgios e, assim, até o fato de eu usar a palavra talvez choque alguns. Para a cultura japonesa, contudo, ela é apenas mais uma fase natural de um processo. Assim enquanto nós consideramos quase sempre funesto falar daqueles que já faleceram depois de algum tempo, para eles honrar os antepassados e não temer a morte são atos de honra. Assim, por exemplo, na obra do cineasta Akira Kurosawaa morte é ao mesmo tempo uma presença constante, mas nunca pintada com cores sombrias.

Começo falando da cultura japonesa não só porque o respeito às tradições dos seus ancestrais sempre foi uma das marcas de Paulo Kobayashi, e certamente este é um aspecto tão importante da sua carreira que não pode ser esquecido sem que o seu legado fique mutilado de um dos seus aspectos mais essenciais, mas também porque, ao mesmo tempo, a antropologia, um dos muitos temas estudados por ele, nos ensina que é muitas vezes através do mergulho e da imersão numa cultura particular que se chega aos valores mais universais. Assim como Kurosawa buscou nas camadas mais profundas da cultura japonesa uma mensagem capaz de falar a todo ser humano de qualquer cultura, também Kobayashi, a partir da herança da sua comunidade, trouxe para a vida pública exemplos de ética e conduta capazes de inspirar todos aqueles que comungam de seus ideais de solidariedade, democracia e justiça.

Em um dos filmes de Kurosawa, justamente aquele que é considerado o seu testamento, Madadayo (literalmente "ainda não"), um professor, como Kobayashi sempre foi " porque na sociedade japonesa nenhuma função é mais honrosa que a de mestre " espera o momento da morte com serenidade a cada ano, reunindo os amigos e antigos alunos que sempre lhe perguntam se está pronto para partir. Por diversas vezes, ele responde justamente com a frase que dá nome ao filme, até que sente que sua missão já está cumprida e deve encontrar seus ancestrais.

Seguindo raciocínio análogo, para a outra grande comunidade na qual Kobayashi foi líder, fundador e mestre " a comunidade dos que compartilham os ideais social-democratas " é também na sua atuação em um grupo particular que devemos buscar os valores universais. Homem de partido, Kobayashi sempre soube que um partido é mais do que uma agremiação de pessoas em luta pelo poder, e sempre dedicou boa parte de seu tempo à construção e fortalecimento da legenda que hoje represento na Assembléia Legislativa. Sempre tratou com generosidade e dedicação as questões partidárias, e todos os que viveram os difíceis momentos da construção do PSDB irão sempre guardar na memória as ações ao mesmo tempo enérgicas, mas serenas, firmes, mas conciliadoras, com as quais ele ergueu os alicerces do edifício partidário do qual ele sempre será uma das pedras angulares.

A lembrança que possamos ter para honrar a memória de Kobayashi não é lamentar a sua morte, passagem necessária à existência da vida, mas colocar em nossas vidas o exemplo do seu legado e seguir as sendas retas que ele nos apontou no exercício da nossa vida pública. Enfim, devemos, em consonância com as tradições que ele sempre respeitou, não lamentar a sua morte, mas celebrar a sua vida e resgatar sempre em nossas ações,o seu exemplo.

*Ricardo Trípoli é líder da bancada do PSDB na Assembléia legislativa de São Paulo.

alesp