Plano diretor na pauta de Assuntos Metropolitanos


20/07/2005 17:42

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Projeto do Viaduto do Chá apresentado em 1880 <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Acervo viadutocha.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Deputada Ana Martins <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Ana Martins.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Com a aprovação, em 2001, do Estatuto das Cidades, os municípios com mais de 20 mil habitantes de todos os estados brasileiros e também o distrito federal têm a obrigação de implementar suas ações e políticas públicas com base em um plano diretor. Só em São Paulo, 246 cidades têm população superior a 20 mil, sem contar os municípios situados em áreas de preservação e as estâncias turísticas, que também estão sujeitos à nova legislação.

Ana Martins (PCdoB), presidente da Comissão de Assuntos Metropolitanos, relatou ao Diário da Assembléia qual será a participação da Assembléia Legislativa nesse processo. Eleita para o biênio 2005-2007, a deputada tem se dedicado às questões do planejamento urbano e à preparação da Conferência Estadual e Conferência Nacional das Cidades, quando serão discutidas estratégias para a implementação do estatuto.

A comissão presidida por Ana Martins tem se ocupado também com a busca de soluções para os problemas que afetam a gigantesca região metropolitana de São Paulo. Com uma população de cerca de 20 milhões de habitantes, a Grande São Paulo enfrenta problemas que vão da falta de transportes à ocupação de áreas de mananciais por habitações irregulares. São problemas de difícil solução, decorrentes do crescimento desordenado da mancha urbana. Os deputados estaduais paulistas vão deliberar sobre o projeto de autoria do Poder Executivo que propõe a reorganização da região metropolitana de São Paulo. A matéria é objeto de discussão da Comissão de Assuntos Metropolitanos.

Desigualdade social e desigualdade regional

Ana Martins explica que a comissão se debruçou sobre três assuntos no semestre passado. Primeiro, o debate sobre a aplicação da Lei nº 10257/2001, que tramitou durante 11 anos no Congresso Nacional e que, aprovada, constitui o Estatuto das Cidades (regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, que tratam especificamente do planejamento urbano).

Segundo, a Campanha pelo Plano Diretor Participativo, lançado pelo Ministério das Cidades com o intuito de despertar gestores e administradores para a obrigatoriedade de planejamento com participação popular. "Todas as cidades deverão planejar a cidade de modo que seu desenvolvimento econômico, social e político vise ao bem-estar da maioria da população", diz Ana.

Terceiro, o governo de São Paulo propõe a reorganização da região metropolitana, com a criação do Conselho de Desenvolvimento, Agência Reguladora e também o Fundo Metropolitano. Para Ana Martins, esse fundo vai garantir obras importantes na região metropolitana: "problemas que, aparentemente, influenciam apenas o município só serão resolvidos diante da concepção de região metropolitana. São questões como enchentes, habitação, transportes, que só podem ser solucionadas no âmbito metropolitano, porque são cidades que já se agruparam, não só do ponto de vista físico, geográfico, mas também econômico e humano."

"Não há ainda uma cultura para discutir essas questões, então o trabalho exige de nós persistência. No segundo semestre, devemos voltar à região metropolitana, que engloba 39 municípios. Vamos dar continuidade à questão da política urbana, pois teremos também a Conferência Nacional das Cidades neste ano."

Foram destacados para as conferências quatro temas importantes: a participação e controle social, a questão federativa, o desenvolvimento regional metropolitano e o financiamento do desenvolvimento urbano. "O Estado de São Paulo vai contribuir, com suas propostas, para que se faça no Brasil um projeto de desenvolvimento urbano para todo o país. Através do planejamento, queremos que as cidades se voltem para os cidadãos. A gestão democrática é necessária para enfrentar grandes desigualdades regionais e sociais. Sabemos que o Brasil é um país com um dos maiores índices de desigualdade social, mas essa desigualdade também está relacionada à desigualdade regional. Para superarmos essa urgência, precisamos enfrentá-la", afirma Ana.

Reorganização da Grande São Paulo

A parlamentar lembra que a comissão realizou uma audiência pública inicial, com a participação do secretário estadual de Economia e Planejamento, Martus Tavares. Em agosto, deve-se retomar o ciclo de audiências para abordar diferentes aspectos dessa reorganização, com prefeitos e presidentes de câmaras municipais e vereadores.

"Temos convidado especialistas da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S. A. (Emplasa), que tem uma concepção de planejamento que se volta para a grande maioria " porque planejar as cidades é enfrentar o grande desafio de não pensar só nas minorias, mas de pensar na maioria, de pensar em como ter uma cidade saudável voltada para todos. Temos convidado também técnicos do IPT, do Instituto Polis, como também os movimentos populares, os movimentos de moradia e diferentes segmentos que têm participação na questão urbana."

Aos poucos, o processo vai ganhando força, avalia Ana Martins. "O capitalismo sempre planejou para as minorias, visando ao lucro, ao mercado. Quando se pensa nas necessidades, não se consegue enfrentá-las se não planejarmos, se não fizermos um diagnóstico real. Quando se descentraliza o debate, multiplicando-se a participação e reunindo os diversos setores, como ambientalistas, arquitetos, engenheiros, sociólogos, movimentos populares, então, os resultados começam a aparecer. Não se pode ter planos diretores, sejam eles municipais, regionais ou estaduais, sem participação popular, porque, senão, eles acabam por ficar apenas no papel. Há necessidade da participação, precisamos que aqueles que mais necessitam do desenvolvimento dêem sua opinião sobre o como este deve se dar."

Conciliando interesses

São Paulo tem sofrido forte influência do mercado imobiliário. Como fazer para que os interesses desse setor tenham menos peso e fazer com que a grande massa tenha mais participação, para que se encontre um equilíbrio? Ana Martins acredita que, por conta dos interesses corporativos, as cidades, particularmente as grandes concentrações urbanas, ficaram muito prejudicadas, porque não se priorizou o bem-estar da população e melhores condições de vida, mas aquilo que dava mais lucro ao mercado imobiliário. Desse ponto de vista, o planejamento com a participação de todos os setores é para ela a única possibilidade de alcançar o equilíbrio.

Todas as cidades têm problemas de moradia e de ocupações irregulares. Em São Paulo houve um atraso na política habitacional, uma lentidão na regularização de áreas ocupadas, o que, para Ana Martins, acabou por provocar um avanço no processo de favelização.

A deputada vê no Estatuto das Cidades os instrumentos para essa regularização, embora ainda sejam desconhecidos pelos gestores públicos, administradores, prefeitos e mesmo pelos que trabalham nas secretarias, nos departamentos de habitação e urbanismo. Ana usou como exemplo os terrenos ocupados nas marginais por empresas importantes, que tiveram sua situação regularizada. "O estatuto dá instrumentos para regularizar, como o usucapião coletivo, que reduz, inclusive, os custos advocatícios para regularização imobiliária.", avalia.



Conheça mais sobre os temas

Plano diretor

Segundo o Estatuto das Cidades (Lei 10.257, de 10/7/2001), o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. Ele é parte integrante do planejamento municipal, e suas diretrizes devem ser incorporadas e previstas pelo plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e o orçamento anual dos municípios.

O plano é obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes e também aquelas que integram regiões metropolitanas, áreas de interesse turístico, áreas de empreendimentos ou atividades de impacto ambiental. Isso inclui 1.501 municípios no Brasil (26,9% dos municípios brasileiros), 246 cidades do Estado de São Paulo (38,1% dos municípios paulistas).

Gestão democrática da cidade

O Estatuto das Cidades inovou também ao instituir a gestão democrática da cidade. Para isso, estão previstos instrumentos como a criação de órgãos colegiados de política urbana, debates, audiências e consultas públicas, conferências sobre assuntos de interesse urano e iniciativa popular de projeto de lei, de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. As iniciativas de consulta popular também são condição para a aprovação do orçamento municipal.

Conferência Estadual das Cidades

Entre 1º de agosto e 2 de outubro deste ano, será realizada em São Paulo a II Conferência Estadual das Cidades, em que serão eleitos 221 delegados que representarão o Estado de São Paulo na II Conferência Nacional das Cidades. A conferência nacional ocorrerá nos dias 30/11 e 1º, 2 e 3/12 de 2005, em Brasília, terá o tema Construindo uma política nacional de desenvolvimento urbano. A discussão abordará os assuntos participação e controle social, a questão federativa, política urbana regional e regiões metropolitanas e, ainda, financiamento do desenvolvimento urbano nos âmbitos federal, estadual e municipal.

A questão dos planos diretores também será abordada tanto na conferência estadual quanto na nacional, já que o prazo para que os municípios obedeçam ao Estatuto das Cidades elaborando seus planos irá se esgotar em outubro de 2006 (Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001).

A expectativa do Ministério das Cidades é que esse processo supere a I Conferência realizada em 2003, quando 320 mil pessoas, ligadas aos movimentos sociais, entidades de classe, empresários, universidades e Poder Público, se reuniram em 3 457 municípios em todos os Estados da Federação, mais o Distrito Federal.

Fragmentos da história da política urbana na capital paulista

O planejamento urbano é relativamente recente no Estado de São Paulo. As primeiras iniciativas de planejamento urbanístico são mesmo do século XX. Até então, a legislação que organizava as vilas e cidades era dispersa e editada na medida em que os problemas surgiam. Encontram-se exemplos curiosos da organização da cidade de São Paulo dos séculos XVIII a XIX, das quais destacamos algumas que constam do Acervo Histórico da Assembléia Legislativa.

A saúde pública foi a questão que suscitou a maior quantidade de normas editadas pela Assembléia Legislativa Provincial. Soluções na área de saúde também acabaram resvalando para o uso do espaço urbano. Uma das preocupações da época dizia respeito ao confinamento dos leprosos (em 1851, havia 849 portadores de hanseníase na cidade de São Paulo, doença para a qual ainda não se conhecia cura). Em 1802, foi determinada a construção do primeiro hospital de lázaros de São Paulo, próximo ao Convento da Luz, para confinar os doentes e tirá-los das ruas e dos acampamentos nos arredores da cidade.

Outro caso se refere ao destino dos mortos. Os sepultamentos nas igrejas, tanto dentro dos templos quanto nas suas áreas circunvizinhas, como era costume, foi considerado inadequado do ponto de vista de higiene. Em geral, as igrejas dispunham de um caixão que retornava à sacristia depois que o corpo era retirado e enterrado em covas pouco profundas.

Com o crescimento da cidade, na segunda metade do século XIX, surtos de doenças começam a preocupar as autoridades. Embora houvesse pequenos cemitérios na cidade desde 1779, a Câmara Municipal decidiu autorizar a instalação, a partir de 1854, de um cemitério na afastada região da Consolação, e aprovou um regulamento para os cemitérios de São Paulo. O cemitério da Consolação foi aberto em julho de 1858, em meio a um surto de varíola.

O abastecimento de água da cidade também começou a ser objeto de organização a partir do século XVIII, por meio de aquedutos feitos de canaletas cobertas que conduziam a água morro abaixo. A limpeza era obtida pela filtragem da água em pedras soltas no fundo das canaletas. Havia também diversos chafarizes e fontes que distribuíam a água proveniente de dois tanques formados nas nascentes de rios como o Anhangabaú e o Tamanduateí.

Afinal, em 1870, depois de frustradas tentativas, a Assembléia Provincial autorizou a canalização das águas da Cantareira e determinou sua distribuição pelas ruas e praças da capital, com reservatórios, registros e hidrantes, além das ligações de água residenciais. E em 1883, o primeiro serviço de esgotos.

Até o século XIX, a cidade de São Paulo circunscrevia-se entre os vales do Tamanduateí e Anhangabaú, cujas baixadas alagadiças eram intransponíveis. A expansão da cidade em direção à região da atual Praça da República criou a necessidade de ligar a rua Direita à Barão de Itapetininga. Esta idéia simples originou o projeto do viaduto do Chá. O plano precisou da autorização da Câmara Municipal para a obra, bem como para a desapropriação de prédios e terrenos. Sem definição sobre quem recairia o ônus da obra, se à Câmara ou ao concessionário, a decisão coube ao governo provincial, que contratou Jules Martin, sem ônus para os cofres públicos. No contrato ficou estabelecido que o concessionário teria isenção de impostos municipais e provinciais e a propriedade dos prédios e terrenos. A decisão polêmica foi questionada em várias ocasiões.

A Assembléia Provincial promoveu, então, modificações no contrato, entre as quais se previa o direito de cobrança de pedágio pela passagem de pessoas a pé, cavaleiros, carros, bondes e outros veículos. O viaduto foi inaugurado em 1892. O encanto da população com a novidade foi substituído pelo descontentamento com o pagamento de pedágio de três vinténs para passar pelo viaduto, do contrário os transeuntes teriam de dar uma longa volta pelo Vale do Anhangabaú. Logo se iniciou uma campanha na cidade pelo fim do pedágio No dia 30 de setembro de 1896, por lei municpal, o Viaduto do Chá foi finalmente encampado pela cidade de São Paulo.

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