Milton Lahuerta: "Há um dissídio entre o político e o social".


18/11/2002 21:48

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DA REDAÇÃO

Qual o sentido atual da democracia representativa? Como imaginar sua reconstrução ou seu fortalecimento num contexto em que se complicam as relações entre Estado, mercado e sociedade civil? Essas são algumas questões a serem tratadas no próximo curso de extensão universitária promovido pelo Instituto do Legislativo Paulista , a partir do dia 25 de novembro.

O curso contará com a participação professor da Unesp Milton Lahuerta, autor de livros e artigos sobre reforma política, relações entre cultura e política, e crise da cultura cívica. Mestre (pela Unicamp) e doutor (pela USP) em Ciências Políticas, ele acredita que, para resolver a atual crise de relacionamento entre Estado e Sociedade, o Brasil precisa definir com clareza o tipo de sistema político que pretende adotar.

Em entrevista ao Diário Oficial da Assembléia Legislativa, Lahuerta antecipou um pouco dos assuntos que pretende tratar durante o curso, cujo tema será As Transformações da Democracia Representativa.



Do ponto de vista administrativo, é correto falar em crise no relacionamento entre o Estado brasileiro e a sociedade? Que tipo de crise seria essa?

Sem sombra de dúvida, há uma crise nas relações entre Estado e sociedade no Brasil. No entanto, é necessário qualificá-la, já que ela não se reduz à dimensão administrativa. O problema maior diz respeito à verdadeira aversão que a sociedade tem demonstrado por tudo o que se relaciona com a esfera pública. É como se estivéssemos vivendo um dissídio crescente entre as dimensões política e social, dissídio este que tem seu epicentro e, de certo modo, se sintetiza na crítica genérica ao Estado.

A reforma e/ou modernização administrativa do Estado pode superar essa crise?

Pode contribuir para superar essa crise, mas, para darmos conta do problema, serão necessárias outras reformas, que deverão contemplar o sistema eleitoral, o sistema partidário e a crise federativa. Envolverão, portanto, dimensões institucionais e culturais que não podem ser reduzidas à administração.

Quais as principais propostas a serem implantadas, nesse caso?

Necessitamos maior clareza quanto ao tipo de sistema político que queremos implantar em nosso país. Por exemplo, temos que definir o que esperamos de uma reforma política ampla: se a maximização das escolhas do eleitor, se a criação de condições que facilitem a governabilidade, se o fortalecimento do sistema partidário, etc. Não podemos continuar agindo como se a agenda da reforma política já estivesse estabelecida a partir de um princípio racional e agora se tratasse apenas de implementá-la. No fundo, precisamos de um debate mais profundo sobre o que se entende a respeito de cada item da reforma. Basta lembrar a proposição do voto distrital, que é apresentada como uma solução de bom senso e sobre a qual a maioria de seus defensores não tem a menor idéia do que se trata.

Superar essa crise significa implantar um novo modelo de Estado? Quais os papéis que nele caberiam ao poder público e à sociedade?

Ao poder público cabe, acima de tudo, resgatar sua legitimidade diante da população, oferecendo serviços públicos de qualidade, garantindo a transparência nos processos de tomada de decisões e recuperando sua capacidade de regular as relações econômicas. À sociedade cabe se organizar melhor, desenvolver a cultura cívica e participativa, e, sobretudo, controlar as ações realizadas pelo poder público.

Qual o papel que cabe ao Poder Legislativo no processo de Reforma do Estado?

O Poder Legislativo tem sido apresentado como o principal foco do desgaste que a atividade política sofre em nosso país. A figura do "deputado" é freqüentemente apresentada como uma espécie de caricatura do que há de negativo na atividade política. Justamente por essa razão, esse Poder (e todos aqueles que nele atuam) tem que exercer um papel de resgate da sua importância da política para o funcionamento da democracia. Nesse sentido, não basta apenas ter idéias racionais de como deve funcionar o sistema político, mas é necessário também implementar novos processos e novos métodos nas relações entre o Poder Legislativo e os outros poderes, criando uma nova dinâmica em sua relação com a sociedade.

Como o senhor avalia o grau de participação da sociedade na administração do Estado?

A despeito dos razoáveis avanços obtidos na organização da sociedade civil, principalmente em virtude de prerrogativas abertas pela Constituição de 1988, ainda é muito precária a capacidade da sociedade controlar a gestão pública. Para o que contribui, inclusive, o desencantamento com a atividade política que tem marcado o nosso pais na última década.



Como o senhor vê os cursos que a Assembléia Legislativa está realizando?

Justamente por todas essas razões arroladas, a iniciativa da Assembléia Legislativa de realizar, juntamente com a UNESP, cursos de extensão visando a qualificação técnico-política de seus funcionários deve ser saudada com muita ênfase. Somente com iniciativas como essas, que procuram articular técnica e política, poderemos superar a deficiência histórica da sociedade brasileira no que se refere à formação de dirigentes. A articulação de experiência e reflexão deve orientar todo e qualquer processo de reforma que venha a ser desencadeado no país. Por isso, necessitamos, mais que nunca, incentivar o trabalho de formação política em todos os planos.

alesp