Opinião - Revogação do crime de desacato


29/04/2009 17:40

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Reza o art. 331 do Código Penal: "Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena " detenção, de seis meses a dois anos, ou multa".

O delito de desacato integra o capítulo dos crimes praticados por particular contra a Administração Pública em geral. Trata-se, assim, de conduta perpetrada por particular que coloca em risco o regular e normal funcionamento da atividade administrativa. Objetiva-se, portanto, com a incriminação, tutelar a dignidade, o prestígio, o respeito devidos à função pública, de modo a possibilitar a natural e adequada atuação administrativa.

Reputa-se configurado o aludido tipo penal com a prática de qualquer ato ou emprego de palavras que causem vexame, humilhação ao funcionário público. Desse modo, pode consistir o desacato no emprego de violência (lesões corporais ou vias de fato), na utilização de gestos ofensivos, no uso de expressões caluniosas, difamantes ou injuriosas, enfim, todo ato que desprestigie, humilhe o funcionário, de forma a ofender a dignidade, o prestígio e o decoro da função pública.

Conforme entendimento majoritário da doutrina,exige-se o fim especial de ofender ou desprestigiar a função exercida pelo funcionário público (elemento subjetivo do tipo, o qual, na doutrina tradicional, é denominado dolo específico). Dessa feita, se a violência ou ameaça forem empregadas com o fim de se opor à execução de ato legal e não com o fim de humilhar, menoscabar a função pública exercida pelo agente, o crime passa a ser o de resistência.

Obviamente que, nas hipóteses em que o agente se restringe a criticar, censurar, de forma justa, o funcionário público, ainda que de maneira incisiva, enérgica, não haverá a configuração típica, pois interessa a toda a sociedade que o serviço público seja fiscalizado (Nesse sentido: E. Magalhães Noronha. Direito penal.19 ed. São Paulo: Saraiva, 1988, v. 4, p. 311 e Nélson Hungria. Comentários ao Código Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, vol. 9, p. 425). Assim, por exemplo, o advogado que, não de forma ultrajante, critica o cartorário pelo fato deste ter sido negligente na condução do processo, pois deixara de juntar aos autos petição devidamente protocolada, não comete delito de desacato.

Mencione-se, ainda que, tendo em vista a pena máxima prevista (detenção, de 6 meses a 2 anos, ou multa), constitui infração de menor potencial ofensivo, sujeita às disposições da Lei n. 9.099/95.

Recentemente, no entanto, foi apresentada proposta legislativa (PL 4.598/2008) com o objetivo de revogar o art. 331 do Código Penal, pois se argumenta que tal modalidade delitiva afiguraria modo execrável de intimidação de pessoas no âmbito das repartições públicas. Segundo a justificativa constante da aludida proposição, a descriminalização do desacato representaria medida necessária "para que as repartições públicas realmente possam se transformar em ambientes nos quais se permita a adequada interação entre as autoridades, os servidores e os usuários dos serviços públicos".

Tal projeto de lei tem suscitado sérias preocupações em alguns segmentos da sociedade, uma vez que, a descriminalização do crime de desacato constituiria uma "porta aberta" para um maior desprestígio e desrespeito daquelas funções que assumem importante papel na manutenção da ordem e segurança pública e, portanto, na preservação do Estado Democrático de Direito, como, por exemplo, a função policial.

Nesse sentido, sobredita medida, de nenhuma forma contribuiria para o fortalecimento das instituições do Estado, fazendo-se necessário ponderar que, na medida em que o funcionário público representa a vontade estatal, o prestígio e a autoridade da função pública devem ser resguardados, a fim de que se dê fiel execução aos atos funcionais, sob pena de restar prejudicado o desempenho da própria atividade administrativa.

Finalmente, consigne-se que a mencionada proposição tramita na Câmara dos Deputados e será oportunamente analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, bem como pelo Plenário da referida Casa Legislativa.



*Fernando Capez é procurador de Justiça licenciado, deputado estadual, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa, mestre em Direito pela USP, doutor pela PUC/SP e professor da Escola Superior do Ministério Público e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas.

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