Opinião - Cidades e ideias com pleno saneamento

Ana Perugini*
21/07/2009 17:59

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No início de junho, o governo de São Paulo anunciou a adesão ao Pacto das Águas, iniciativa de dimensão global que assegura água de qualidade e quantidade para as futuras gerações. São Paulo foi o primeiro Estado brasileiro a somar-se a essa mobilização, na qual são previstas metas em recursos hídricos até o ano de 2010, respeitando o Consenso de Istambul sobre Água, aprovado no último Fórum Mundial das Águas, realizado na Turquia em março de 2009. Atitude louvável do governo paulista atento aos esforços internacionais pela melhoria das águas, quando se considera que São Paulo possui menos de 2% dos recursos hídricos do país, embora viva no território paulista mais de 20% da população brasileira.

A qualidade das águas para o abastecimento das cidades e atividades produtivas precisa do necessário tratamento dos esgotos urbanos, maior fonte de poluição dos rios brasileiros. No Estado mais rico do país, pouco mais de 40% dos esgotos urbanos recebem algum tipo de tratamento, apesar de possuirmos uma das primeiras leis de recursos hídricos do país, a Lei 7.663, de 1991, que em seu artigo 6º prevê: "O Estado promoverá ações integradas nas bacias hidrográficas tendo em vista o tratamento de efluentes e esgotos urbanos, industriais e outros, antes do lançamento nos corpos d"água, com os meios financeiros e institucionais previstos nesta lei e em seu regulamento". Depois de 18 anos dessa lei inovadora, o governo do Estado responsável por 30% do PIB brasileiro e que tem a maior empresa concessionária de serviços de água e esgotos do país, a Sabesp, ainda não atingiu o índice recomendável, de pelo menos, 80% do tratamento dos esgotos urbanos.

Os conflitos derivados da atuação da Sabesp em municípios onde ela tem a concessão de serviços de água e esgotos têm sido constantes, especialmente devido à dificuldade da empresa estadual garantir a construção e operação de sistemas de coleta e tratamento dos esgotos urbanos. A Sabesp, paradoxalmente, não resolve os problemas no seu próprio território de origem, e acena com sua atuação em outras Unidades da Federação e até mesmo em outros países.

As boas intenções do governo de São Paulo, através de sua adesão ao Pacto das Águas, devem também lembrar a sua inoperância na garantia da preservação e recuperação da vegetação fundamental para a proteção das nascentes. Entre 2005 e 2008, São Paulo perdeu, segundo o "Atlas dos remanescentes Florestais da Mata Atlântica", divulgado no final de maio pelo INPE e Fundação SOS Mata Atlântica, 2.455 hectares de Mata Atlântica, bioma mais ameaçado no Brasil e objeto de constantes campanhas de conscientização da opinião pública. No Estado com a maior estrutura de fiscalização em meio ambiente do Brasil, foram destruídos o correspondente a mais de 3 mil campos de futebol de Mata Atlântica, exatamente no período em que o tema mais recorrente foi o imperativo da proteção ambiental para um desenvolvimento sustentável.

Quanto à proteção das águas, São Paulo continua também bem longe do mínimo recomendável. As compostagens dos resíduos orgânicos, uma tecnologia já amplamente conhecida e dominada há anos pelos pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas, ainda não é praticada em escala recomendável no território paulista " entre os 645 municípios paulistas são poucas as usinas de compostagem. Assim, sem destinação adequada, os resíduos urbanos, orgânicos ou não, continuam representando permanente ameaça aos nossos aquíferos.

O Estado de S. Paulo ainda não garante a quantidade de água que assegure o abastecimento futuro das cidades e atividades produtivas. Nas mais importantes bacias hidrográficas (em termos de adensamento populacional), o consumo já é superior à disponibilidade existente. O governo paulista protela indefinidamente uma solução para o caso do Sistema Cantareira, que retira 31 mil litros de água por segundo da Bacia do Rio Piracicaba para abastecer metade da Grande São Paulo. É uma das maiores transposições de bacias de água, em todo planeta, e a nova outorga à Sabesp concedida em 2004 continua retirando água da Bacia do Rio Piracicaba, quando previa que a empresa teria um prazo de 30 meses para elaborar estudo apontando alternativas para reduzir, futuramente, a dependência do Cantareira para abastecer a Grande São Paulo. O prazo extinto, as alternativas ainda não foram definidas para a ampliação do abastecimento da maior metrópole da América Latina.

O governo de São Paulo precisa com urgência mostrar seu comprometimento com o futuro das águas no Estado. No início de meu mandato, como deputada, tomando conhecimento dessa situação limítrofe e constrangedora, optei por criar uma Frente Parlamentar de Acompanhamento das Ações da Sabesp, da qual não obtive qualquer apoio governamental. A população está visivelmente cansada do descaso da Sabesp e do Poder Público Estadual, renovando suas vãs promessas intermitentes, sem a correspondente ação. Se a consciência ambiental aumentou após a divulgação dos estudos indicando a gravidade do aquecimento global, o futuro das águas torna-se estratégico para todos nós. A única garantia para a mudança de enfoque do Poder Público Estadual e a execução das obras necessárias é a mobilização da sociedade civil, sempre atenta, solicitando rapidez no tratamento de esgotos, na recomposição de matas ciliares, na destinação correta de resíduos, na ampliação das ações para uso racional de água e busca de novas alternativas de abastecimento sustentáveis. As águas do futuro não podem escorrer por entre os dedos de nossas mãos sem que nada por elas se possa fazer.





*Ana Perugini, deputada estadual do PT, é coordenadora das Frentes Parlamentares em Defesa dos Direitos das Mulheres, de Acompanhamento das Ações da Sabesp e em Defesa dos Consumidores da Telefonia Fixa e de Internet.

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