"A partir de" - Uma armadilha para o consumidor

Opinião
16/11/2005 19:32

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O pai entra no supermercado com o filho de três anos. Logo no primeiro corredor, promoções tentadoras. A grande placa amarela com letras vermelhas anuncia: "DVDs " de R$ 32,00 por R$ 9,99. Aproveite!!!". Com a autorização do pai, a criança escolhe logo dois. Ao final da compra, já no caixa, o pai atento percebe que os DVDs estavam sendo registrados por R$ 32,00 cada sem qualquer desconto.

Após o protesto, um rapaz vem até o caixa e informa que o preço era aquele mesmo. Que o consumidor estava errado já que a promoção vinha com a armadilha: "a partir de". Inconformado e com o filho contrariado por não poder levar os filmes para casa, o pai volta à banca dos DVDs e encontra no canto do cartaz, quase imperceptível, o aviso "a partir de".

A cena não é rara. Acontece com freqüência, principalmente nos hipermercados. Mas também se estende para confecções, lojas de CDs, passagens aéreas, pacotes de turismo e até automóveis. No caso da compra de um carro, o consumidor vai perceber que o preço pedido é bem maior que aquele anunciado. Mas, até isso ocorrer, já caiu na armadilha da revenda, que vai se valer do poder de convencimento. Aliás, para atrair consumidores, não existem escrúpulos por parte de muitos comerciantes e prestadores de serviços.

Na verdade, o "a partir de" serve como ferramenta de marketing para enganar consumidores, que " menos atentos na hora de pagar a conta " podem facilmente ser ludibriados. O cidadão comum precisa perceber que, no varejo, tudo é minimamente pensado para que ele nem note que está sendo enganado. O layout das grandes lojas parece projetado apenas para iludi-lo.

Invariavelmente as promoções estão logo na entrada, quando o carrinho de compras ainda está vazio. Ali, as ofertas "tentadoras" fazem com que a pessoa não leve em consideração que o dinheiro que dispõe pode ser insuficiente para o que realmente precisa. Na entrada, o consumidor está mais tranqüilo e suscetível a atender os apelos dos filhos.

Somente depois de passar pelo corredor da ilusão, o cliente chega às prateleiras onde encontrará os produtos que realmente precisa. Após percorrer todo o estabelecimento, chega a terrível hora de enfrentar as filas dos caixas. Ali, a irritação é marcante. A demora " que também faz parte do show - causa um sentimento de "tire-me daqui o quanto antes".

Se não estiver atento e acompanhar o visor do caixa, o consumidor é facilmente enganado. Quando se depara com o total, lamenta o valor alto mas, na maioria das vezes, acaba pagando e vai embora.

Mais tarde, quando chega em casa, já com a cabeça mais fria, o consumidor tem a chance de perceber que pagou muito mais por determinados produtos supostamente em promoção. Precisa conferir a nota, item por item. Se não fizer isso, jamais perceberá o quanto foi menosprezado por aquele estabelecimento, que propaga ser o campeão dos preços baixos ou algo do gênero.

Por isso, é fundamental que os consumidores se levantem contra os artifícios questionáveis do comércio. Quem se sentir enganado, deve procurar os órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, entre outros. É preciso ter a cultura de formalizar a denúncia. A vida do consumidor seria facilitada com a reabertura do Decon (Delegacia do Consumidor), fechada sem explicações pelo governador Geraldo Alckmin.

Com uma polícia especializada e com poder de atuar os infratores, órgãos como o Procon teriam maior expressão e representatividade junto à população. Muitas denúncias, que hoje acabam no vazio, seriam levadas adiante, privilegiando os verdadeiros interesses dos consumidores. Com certeza, os grandes hipermercados pensariam duas vezes antes de lançar mão do "a partir de".



*Romeu Tuma é delegado de Classe Especial da Polícia Civil, deputado estadual (PMDB), ex-presidente e atual integrante da Comissão de Segurança Pública, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor e Corregedor da Assembléia Legislativa de São Paulo.

alesp