E o Brasil sai nas ruas... É o Carnaval

OPINIÃO - Arnaldo Jardim*
02/02/2005 17:30

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Um caldeirão de ritmos, culturas, credos, etnias, cores e alegria. O carnaval é praticamente um tratado sociológico, que resume bem o que é o Brasil - um país de dimensões continentais, pautado pela miscigenação dos seus mais de 150 milhões de habitantes. O carnaval brasileiro pouco lembra os pierrôs e as colombinas, os entrudos ou os corsos do passado. É uma festa antropofágica, tão valorizada pelo também folclorista Mario de Andrade, que assimila as diferentes culturas. Essa é síntese da maior festa popular do mundo, uma festa mestiça, "sincrética".

O ritmo musical que mais nos identifica no exterior, o samba, é resultado de uma mistura incomum. Com ingredientes que vão da polca, gênero musical do Leste Europeu, até os ritmos trazidos pelos negros africanos como o lundu, o maxixe e o jongo. Em 1917, o público conheceu o primeiro samba gravado: "Pelo telefone".

Os próprios instrumentos musicais que fazem a alegria do povo tiveram origens distintas. Hoje, nas rodas, o samba sai de instrumentos originalmente africanos, russos, portugueses, indígenas e árabes. O violão de seis cordas chegou nas caravelas portuguesas. O primo dele, com uma corda a mais, foi trazido pelos ciganos russos. Com o cavaquinho, também português, e o pandeiro, que é árabe, formam a cozinha do samba. Essa ganha brilho com a cuíca, nascida na África com o nome de puíta, e o reco-reco, dos índios sul-americanos, que já foi usado em cerimônias religiosas. Entre tantos estrangeiros, o único instrumento tipicamente brasileiro é o surdo, que nasceu para marcar a marcha dos foliões, nos anos 20, que originariam as escolas de samba. Origens diversas, um único destino. Tornar universal o ritmo de um povo.

Daí para os desfiles luxuosos e irreverentes realizados na Marquês de Sapucaí e no Anhembi se passaram décadas, mas suas origens foram preservadas. Imaginem o minueto dançado na casa grande misturado com a capoeira das senzalas. Esta é a origem do bailado do mestre-sala e da porta bandeira.

Mas nem só de samba vive o nosso Carnaval; afinal, a nossa maior festa de rua acontece em Salvador. "Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu" é o lema de mais de dois milhões de foliões que dançam dias e noites a fio ao som da música baiana.

Por que também não falarmos dos carnavais típicos realizados em Pernambuco? Em Olinda, ao som do tradicional frevo, o povo sobe e desce as suas ladeiras estreitas, seguindo os "bonecos gigantes". Marca registrada da folia, eles têm, em média, 3,6 metros de altura e pesam até 50 quilos. Já em Recife, também temos o Maracatu, que nasceu da tradição africana do "Rei do Congo", trazida pelos portugueses. Sua dança, marcada tradicionalmente e exclusivamente por instrumentos de percussão, contém fortes elementos místicos que fazem lembrar o Candomblé.

O interior pernambucano também nos reserva gratas surpresas. Em Catende, os moradores se inspiraram na lenda da misteriosa mulher que seduzia os homens e depois desaparecia dentro do cemitério. O percurso do cemitério até a praça central é acompanhado por uma multidão. Na frente, a boneca, de quase quatro metros de altura, reverenciada por onde passa. Se antigamente a mulher da sombrinha perseguia os moradores, hoje são eles que correm atrás dela.

Em Bezerros (PE), as ruas viram um grande salão de festas, com os Papangus, os mascarados cobertos da cabeça aos pés, vestindo roupas largas e luvas. A tradição surgiu há cem anos, seduziu a cidade e não parou mais de crescer. Os moradores mais antigos contam que por trás desta tradição existe um segredo: este foi o disfarce que alguns homens casados encontraram pra brincar a vontade.

Diante desta pujança tenho uma certeza: o verdadeiro segredo do Carnaval brasileiro não reside apenas na tradição e nos ritmos, mas sim na alegria contagiante de um povo sofrido que sabe como ninguém celebrar a vida. Um povo que sabe integrar e interagir com os turistas, sejam brasileiros ou estrangeiros. Fato raro, nos dias de hoje, diante da intolerância que impera no mundo. Uma festa genuinamente democrática.



*Arnaldo Jardim é deputado estadual pelo PPS.

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