Um dia depois de amanhã

OPINIÃO - *Arnaldo Jardim
21/05/2004 19:42

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A recente alta da cotação do petróleo no mercado internacional acendeu a luz amarela das principais potências mundiais, e no Brasil não poderia ser diferente. Com a cotação do barril de petróleo na faixa dos US$ 40 - o nível mais alto dos últimos 21 anos -, especialistas já discutem os possíveis impactos na economia brasileira e alguns chegam a cogitar a possibilidade de aumento na inflação e do comprometimento do nosso já combalido Produto Interno Bruto (PIB).

Esse recente descompasso se alimenta de diversos fatores, como a permanente tensão no Oriente Médio, as ameaças de sabotagens terroristas na Arábia Saudita, o corte na produção por parte dos membros da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), a queda nos estoques norte-americanos de gasolina e a possibilidade de aumento da demanda por este combustível pela China. Segundo projeções da Agência Internacional de Energia (AIE), a demanda mundial poderá crescer 2,5% em 2004.

Neste momento precisamos reavaliar os rumos da economia mundial movida à energia fóssil e finita. Não só pela questão econômica, mas, principalmente, por conta dos prejuízos ambientais provocados pela queima indiscriminada dos derivados fósseis. Não consigo acreditar que esta miopia estratégica, onde muito poucos ganham e a grande maioria sofre com os efeitos do aquecimento global, se perpetue.

A posição dos Estados Unidos e da Austrália de questionar a base científica na qual foi pautado o Protocolo de Kyoto, que propõe a redução de gases causadores do efeito estufa - boa parte proveniente da queima de combustíveis fósseis -, é inaceitável. Assim, temos de aplaudir as iniciativas isoladas da União Européia, Japão e China de incluir os renováveis na sua pauta de importação.

Mais do que nunca, o Brasil deve se apresentar como potencial protagonista no mercado internacional de biocombustível, por sua liderança e experiência na produção e uso do etanol e por suas pesquisas envolvendo o biodiesel, além da energia gerada pela biomassa da cana.

No âmbito interno, fazemos a nossa lição de casa. Acompanho com entusiasmo o sucesso nas vendas dos chamados veículos "flexíveis", que já registram 119.463 veículos comercializados, desde março de 2003, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotivos (Anfavea).

A criação dos estoques estratégicos de 1,5 bilhão de litros de álcool, financiados pelo governo federal, traz a reboque a garantia necessária para os investidores internacionais interessados em comprar este combustível limpo.

O Proinfa - Programa de Incentivo as Fontes Alternativas já é uma realidade, que precisa de ajustes, mas simboliza uma nova mentalidade de incrementar o papel de fontes alternativas e renováveis na matriz energética brasileira.

O desafio agora é promover a adoção do biodiesel. Segundo a Abiove - Associação Brasileira de Indústrias de Óleos Vegetais, entre 10 a 12 fábricas de biodiesel, produzido a partir da soja, deverão se instalar no Brasil, resultado de investimentos entre US$ 10 milhões a US$ 15 milhões, em cada unidade. Elas serão capazes de produzir até 100 milhões de litros de biodiesel por ano. Isso sem falar em outras experiências com pelo menos 12 diferentes oleaginosas, em desenvolvimento por todo o País.

De acordo com o Laboratório de Desenvolvimento de Tecnologias Limpas, da USP/Ribeirão Preto, o biodiesel pode ser utilizado na proporção de até 50% misturado ao diesel comum, sem exigir adaptações no motor.

No âmbito estadual temos a recém criada Câmara Setorial de Biocombustíveis do Estado de São Paulo, que deve impulsionar as pesquisas e servir de modelo para todo o País.

Com isso, podemos diminuir a dependência brasileira em relação ao diesel importado e promover a inclusão social no campo.

A opção do Brasil de ser um pólo de desenvolvimento, produção e uso de biocombustível pode render dividendos importantes a médio e longo prazo. Criaremos novos produtos na nossa pauta de exportação, poderemos receber novos investimentos de países interessados nessas fontes renováveis de energia, isso sem falar nos créditos de carbono provenientes dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, a ser estabelecido pelo Protocolo de Kyoto.

Mais do que isso, o Brasil pode servir de exemplo para uma nova ordem da economia mundial, pautada pelo respeito ao meio ambiente e pela promoção do desenvolvimento sustentável.

Não podemos perder o bonde da história. À medida que investimos na produção de fontes renováveis e limpas, estaremos garantindo um futuro melhor para as próximas gerações, e assim evitar que "um dia depois de amanhã" seja capaz de atemorizar o nosso futuro.

*Arnaldo Jardim é engenheiro civil, deputado estadual (PPS-SP) e coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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