Fortunato vive?

Opinião
25/05/2005 17:16

Compartilhar:


De uns tempos para cá, os líderes petistas andam com os nervos arruinados. As denúncias de corrupção nos Correios e em outras empresas estatais, sob o comando de seu partido e de legendas da base governista, foram uma espécie de gota d"água. Nervos em frangalhos, como se sabe, costumam ser péssimos conselheiros. Não raro, levam pessoas equilibradas a cometer equívocos infantis. Os naturalmente desequilibrados, bem, estes vão à lona. Dentro desse contexto é que se deve entender os muitos despropósitos ditos pelos que, ao menos oficialmente, têm o papel de manter a interlocução entre o governo e sua base no Congresso Nacional.

Uns e outros fizeram uma viagem apressada no tempo. E começaram a ver, por toda parte, tentativas de golpe, movimentos para desestabilizar um presidente legitimamente eleito e inexistências afins. Houve até quem se deparasse com o fantasma de Gregório Fortunato, uma espécie de leão-de-chácara do ex-presidente Getúlio Vargas, que, em 1954, mandou dar um tiro em Carlos Lacerda, em desagravo às críticas virulentas e contumazes que este fazia ao seu chefe. O fim daquela história é de conhecimento geral: o tiro de Fortunato saiu pela culatra, Lacerda continuou mais vivo que antes e quem perdeu a vida para entrar na história foi mesmo "o pai dos pobres".

As causas do estado de nervos em que os próceres petistas se encontram são evidentes. Há tempos está provado que, no governo, o PT não consegue fazer mais do que oposição a si próprio, por carência de projetos e de capacidade operacional. Restava-lhe, então, a imagem de probidade, agora seriamente ameaçada pelas denúncias que nos chegam pela imprensa todos os dias. É evidente que, se tivessem um pingo de humildade, os líderes situacionistas admitiriam o óbvio: que suas dificuldades decorrem de sua própria incompetência.

Não pretendo, porém, repetir o que muita gente já sabe. Até porque, em sendo tucano, correria o risco de ser acusado de falta de isenção ou de estar motivado apenas por meros interesses político-eleitorais. Em sendo assim, reproduzo trecho da entrevista que o nobre senador petista Cristovam Buarque concedeu ao jornal Folha de S.Paulo, publicada na edição de 22 de maio.

Indagado sobre as causas de o governo Lula encontrar tanta dificuldade na coordenação política, Buarque foi incisivo: "Eu acho que o problema não está na coordenação. Está numa coisa mais profunda, que é a incapacidade do governo de aglutinar. Se você não aglutina, você não coordena, você compra votos. (E o governo não consegue aglutinar) porque não definiu objetivos concretos, metas de mudanças no país que permitam trazer as pessoas que queiram apoiá-las... Lula disse que não quer vender a alma. Só que tem uma coisa pior do que vender a alma: é vendê-la sem ser em torno de um projeto de nação... O segundo mandato tende sempre a ser pior que o primeiro".

O ex-ministro da Educação, homem sério, intelectual competente e democrata convicto, pode ser acusado de tudo, menos de golpista. E, na essência, as críticas que faz ao seu PT são as mesmas que lhe fazem as oposições e todos os que, não militando em partidos, vêem o que a vista de todos está. Seria melhor que os líderes governistas ouvissem mais, fossem menos arrogantes e deixassem o fantasma de Fortunato em paz.

Milton Flávio (PSDB-SP) é vice-líder do governo na Assembléia Legislativa

miltonflavio@al.sp.gov.br

alesp