O Brasil nada sabe da realidade nutricional de sua população, diz Dom Mauro Morelli


15/06/2004 20:35

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DA REDAÇÃO

O programa Fome Zero corre o risco de terminar daqui a alguns anos sem ter conseguido melhorar a qualidade nutricional dos seus beneficiados. A opinião é de Dom Mauro Morelli, que avalia que o povo brasileiro em geral come muito mal e, por isso, é muito vulnerável a doenças. Para o bispo de Duque de Caxias e membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar, enquanto as classes alta e média não descobrirem que a qualidade nutricional dos alimentos é um problema delas também nada acontecerá.

Morelli participou, ao lado do secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, José Baccarin, de discussão sobre programas de segurança alimentar, nutrição e combate à fome, promovida nesta terça-feira, 15/6, pela Comissão de Promoção Social da Assembléia Legislativa, presidida pelo deputado José Carlos Stangarlini (PSDB).

Dom Mauro classifica-se como um "cooperador crítico" do programa Fome Zero. Suas discordâncias, expressas desde o anúncio do programa feito pelo governo Lula, assentam-se sobre alguns parâmetros de discussão. A questão de fundo da degradação ambiental e da exclusão social está associada ao modelo de desenvolvimento em vigor desde o século XVI. "A grande produção agrícola, em especial a do agrobusiness, responde ao mercado, mas é extremamente danosa ao ambiente e à exclusão social. A grande questão é até quando vamos continuar a produzir sem termos a garantia da segurança de alimentos de boa qualidade."

Para ele, não haverá mudanças significativas do quadro alimentar e nutricional enquanto a política agrária, estrategicamente dirigida para esse fim, não for prioridade. O bispo diz que as discussões nesse campo estão muito mal enfocadas e que é preciso avançar nos debates sobre qual política agrária teremos, além da reforma agrária e da reforma das águas, já atrasadas e, por isso, urgentes.

Morelli disse que o Brasil nada sabe sobre a realidade nutricional de sua população. O bispo apontou a extrema precariedade e debilidade na vigilância sanitária e defendeu a integração dos diferentes níveis de governo para encaminhar projetos com finalidade de formulação de uma Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Em sua avaliação existem três pontos que devem ser perseguidos em termos de políticas públicas: ampliação das condições de acesso aos alimentos; assegurar saúde, alimentação e nutrição aos grupos sociais vulneráveis e à população em idade escolar; e garantir a qualidade biológica dos alimentos.

A questão, segundo Morelli, não é partidária e vai além dos limites de um ou outro governo. "É acima de tudo estratégica e deve ultrapassar as diferenças partidárias. Está na hora de o governo fazer um grande acordo com os movimentos sociais", disse o bispo de Duque de Caxias, completando que o governo apresenta sintomas de esquizofrenia, metade dele trabalha para acabar com a fome, enquanto a outra metade trabalha para reproduzi-la. "Somos reféns de uma economia globalizada, predadora e extremamente excludente", analisou.

Educação alimentar e nutricional

O secretário de Segurança Alimentar e Nutricional, José Baccarin, disse que o programa Fome Zero combina ações emergenciais e estratégicas. Segundo ele, as políticas de suplementação de renda, via cartão de alimentação, já atingem 4 milhões de famílias. O programa bolsa-família, que unificou quatro tipos de programas, tem a meta de, em 2005, atender 6,5 milhões de famílias e, em 2006, universalizar o atendimento a todas as 11 milhões que se encontram abaixo da linha de pobreza.

Baccarin destacou como políticas de caráter estrutural a que estimula a construção de cisternas, na região do semi-árido nordestino, e os programas de apoio, crédito e difusão de tecnologia da Embrapa dirigidos à agricultura familiar. Para o secretário, a integração de ações emergências e estruturais é um avanço do programa Fome Zero.

O programa estende-se agora aos grandes centros urbanos. Baccarin falou dos acordos com os governos do Estado e dos municípios da Região Metropolitana de São Paulo, que pretendem atender 255 mil famílias até julho. Acrescentou ainda a intenção de construir restaurantes populares nos municípios com mais de 100 mil habitantes.

A avaliação de Baccarin coincide com a de Dom Mauro Morelli no tocante à má qualidade nutricional da alimentação dos brasileiros. O país ressente-se da falta de pesquisas e informações que possam balizar inclusive a política nacional de segurança alimentar. Porém, disse ser importante perseguir mudanças culturais que conduzam a um outro padrão de exigência no campo alimentar. "A política de educação alimentar e nutricional faz parte de nosso cardápio de políticas", disse Baccarain.

Participaram dos debates com Dom Mauro Morelli e José Baccarin os deputados Mário Reali, Maria Lúcia Prandi, Ana do Carmo, do PT, e Souza Santos (PL), além do presidente da comissão, José Carlos Stangarlini.

alesp