POLÍTICA DE FHC AGRAVA A HERANÇA DA ESCRAVIDÃO - OPINIÃO

Nivaldo Santana*
10/05/2002 19:50

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Há 104 anos, no dia 13 de Maio de 1888, a assinatura da Lei Áurea acabou formalmente com uma das mais odiosas humilhações já impostas a um povo. Foi conseqüência da luta dos negros que se rebelaram e desenvolveram por séculos a resistência à escravidão, organizando-se nos quilombos e protagonizando revoltas que até hoje inspiram os que ainda lutam por liberdade, democracia e justiça.

O fim da escravidão, no entanto, não criou as condições para que a população negra do Brasil tivesse modificada sua situação econômica e social. Livres da chibata, os negros não tiveram acesso à terra e a escravidão econômica continuou. Eles passaram a ocupar os piores postos de trabalho, sem nenhum acesso aos meios de produção.

Mais de um século depois, os reflexos da escravidão são agravados pela chaga neoliberal e atingem não apenas os negros mas a imensa maioria da população brasileira. Os números do Censo divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que apenas 2,4% dos trabalhadores ganham mais de 20 salários mínimos. O levantamento sobre emprego e renda, realizado em agosto de 2000, constatou que 24,4% da população ocupada ganhava até um salário mínimo. Entre todos os brasileiros que têm renda, incluindo pensões, aposentadorias etc, os que recebiam até um salário mínimo eram 30,7%. Esses, somados aos que não têm nenhuma renda porque estão desempregados, formam uma imensa legião de despossuídos, sem acesso ao consumo de bens duráveis e, muitas vezes, sequer aos bens indispensáveis à sobrevivência.

Este é o quadro revelado pelo Censo e que deixou o presidente sociólogo "sem entender" a contradição entre a queda de renda do brasileiro e o aumento do consumo de carros, geladeiras e microcomputadores nos oito anos de seu governo. FHC chegou a sugerir que o IBGE, órgão ligado ao governo, deveria estar errado.

A concentração de renda estimulada por sua política, é capaz de fazer o presidente compreender algo que ele esqueceu mas sabia bem quando exercia o ofício de professor.

Mas nem tudo é má notícia. Os dados do Censo mostram que cresceu o número de negros que se assumem como tal, demonstrando o aumento da consciência dessa parcela da população, estimulada pelas entidades que atuam no movimento negro e que vêm ampliando sua influência na sociedade. A percepção desse fenômeno talvez tenha sido um dos motivos a levar o atual governo federal a falar sobre o tema e a propor algumas políticas compensatórias. É inegável que a imensa desigualdade social exige a adoção de políticas públicas específicas, capazes de criar as condições para eliminar o fosso que separa a população negra dos melhores postos no mercado de trabalho, das vagas nas universidades, dos espaços de poder e decisão. Mas essas medidas precisam ser radicais e profundas, de forma a eliminar as causas do problema e não apenas maquiá-lo.

E uma das causas principais das desigualdades está no aumento crescente e constante da concentração de renda, fruto de uma política econômica que privilegia o grande capital e a especulação financeira, em detrimento do desenvolvimento nacional sustentado, que garanta emprego, salário decente e melhores condições para o crescimento do setor produtivo nacional.

Aos negros brasileiros cabe lutar pelo seu espaço, compreendendo que ele só será conquistado em sua plenitude quando o rumo do nosso país for alterado, quando sua política econômica permitir distribuição de renda, geração de empregos e salários mais altos. Isso só será possível com outro governo. Vamos aproveitar as eleições que ocorrem este ano para mudar o Brasil e para que a população negra aumente sua representatividade no cenário político brasileiro.

Nivaldo Santana é deputado estadual pelo PCdoB/SP

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