Especialista em energia diz que é preciso desmascarar a grande mentira do apagão

(com fotos)
29/05/2001 16:59

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O especialista em energia, da Universidade de São Paulo (USP), Ildo Sauer, fez uma exposição sobre as causas e conseqüências da crise energética no Brasil, em reunião da Bancada do PT, realizada na tarde desta terça-feira, 29/5, no auditório Franco Montoro da Assembléia Legislativa.

Segundo Sauer, é necessário "desmascarar a grande mentira do apagão". Para ele, dizer que, como fazia o governo no início, "se não chover no mês que vem, teremos um problema" não passou de "uma mentira orquestrada". O governo está racionando energia não porque não choveu nos últimos três meses ou porque há seca. "O que houve foi uma secagem dos reservatórios", disse ele.

A situação das chuvas e dos reservatórios das usinas foi apresentada pelo professor, que demonstrou, em gráfico, que no final do período chuvoso do ano passado, os reservatórios se encontravam com apenas 33%. "Se não fosse tomada providência o país pararia até o mês de setembro, o que ainda não está descartado", afirmou Sauer. "Estamos encalacrados numa situação sem fundo, por irresponsabilidade do governo. E estes que nos meteram no buraco não têm credibilidade para nos tirar dele." Para Sauer, a população está colaborando com o racionamento exatamente por ter reconhecido que o país pode parar e que o governo não tem condição de nos tirar disso.

O especialista explicou que há anos os reservatórios vêm operando abaixo da sua capacidade pela queda nos índices de chuva, com a situação se agravando desde 1995. "De lá para cá foram dados vários sinais de que providências deveriam ser tomadas. O sistema foi feito para respeitar a natureza e construído para operar com a capacidade abaixo da média, por 5 ou 6 anos. O governo pode mandar em muita coisa, mas não na natureza."

A demanda de energia elétrica cresceu cerca de 4% ao ano na última década. Por sua vez, a produção de energia cresceu mais de 3%, gerando uma diferença de quase 1% ao ano entre geração e demanda. "Através da água estocada nos reservatórios, o governo teria feito a mágica de atender à demanda nos últimos anos. Além da falta de planejamento, há ainda a orientação política do governo de que empresa estatal não constrói mais nada, visando às privatizações. Já os capitais privados preferiram comprar, com financiamento do BNDES, e abaixo do preço mínimo, usinas já existentes a construir novas. Isso se revelou desastroso", disse Sauer, lembrando que não se fez sequer uma linha de transmissão nesse período.

Para o professor, as medidas propostas pelo governo não têm sustentação jurídica, já que vão contra a Constituição e os contratos entre consumidores e empresas de energia. As propostas do governo teriam servido, até agora, apenas para "aterrorizar a população com o tarifaço e com ameaças de corte impingidos como um castigo". Sauer disse que a situação é semelhante a de alguém que leva uma multa de trânsito, paga multa sobre a multa, e ainda apanha do guarda. Através do corte de energia o governo estaria impondo, segundo ele, um sofrimento físico à população, levada a se alimentar de comida deteriorada, tomar banho frio etc. "E não sabemos nem se os 20% de economia impostos pelo governo seriam suficientes", falou completando que "mesmo que chova em dezembro, não significa que os estoques possam ser repostos". O racionamento pode, portanto, nos acompanhar por mais dois ou três anos.

Sauer insistiu, durante sua explanação, que as medidas tomadas pelo governo não passam de soluções atabalhoadas e sem sustentação. "Além de tudo, não são medidas práticas. Quero ver o exército de cortadores de luz. Essa é uma forma irresponsável de tratar uma crise que é séria e demanda soluções", afirmou. Entre as soluções de médio e longo prazo apresentadas pelo especialista, estão a conservação, gestão de carga e utilização de gás natural nas termelétricas, além da instalação de usinas eólicas.

Sauer sugeriu ainda a troca de todas as lâmpadas residenciais pelas concessionárias de energia, acordos entre o governo e os grandes consumidores, como as indústrias de alumínio, que são responsáveis por 10% de toda a energia consumida pela indústria, e a geração de emergência com a queima do bagaço da cana, capaz de produzir calor de exaustão, com capacidade de gerar energia, produzir vapor, calor e até frio.

Ildo Sauer ressaltou que as concessionárias têm um contrato a cumprir com os consumidores, através do qual se compromete a oferecer energia de qualidade a preço módico. Segundo ele, se há um problema, as concessionárias deveriam estar empenhadas em resolvê-lo e cobrar soluções do governo. "Tenho certeza que a sociedade sairá da crise consciente da essencialidade da energia para sua vida, sua saúde, seu trabalho. E consciente da necessidade de planejamento, por parte do governo", disse.

Participaram da reunião os deputados Vanderlei Siraque, Mariângela Duarte e o líder do PT, Carlinhos Almeida, que abriu o evento salientando a importância da discussão do tema frente à crise.

alesp