Ataque ao bolso

OPINIÃO - Arnaldo Jardim
03/09/2003 16:12

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Pelo tratamento recebido, o brasileiro poderia se transformar em faquir indiano. O arrocho vivido nos últimos dez anos chega a ser doloroso para o assalariado. Dados sobre trabalho levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em seis metrópoles, comprovam o empobrecimento da população: o rendimento médio real recebido em julho deste ano situou-se em R$ 833,50 - o menor verificado desde o início da série, em outubro de 2001. Em comparação a junho de 2003, houve queda de 1,7%. Em relação aos R$ 996,92, de julho de 2002, a perda foi de 16,4%, ou seja, a maior variação negativa observada na comparação anual desde o início da série.

Para os milhões de brasileiros que lutam pelo pão de cada dia, esses números comprovam uma triste realidade, o que não é nenhum consolo. Pelos cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), o salário mínimo deveria ser R$1.359,03 em agosto, se fosse levado em conta o preceito constitucional que estabelece que esse salário deveria suprir as necessidades de uma família com alimentação, moradia, educação, saúde, transporte, vestuário, higiene, lazer e previdência social. Esse mínimo ideal corresponde a 5,66 vezes o valor (real) de agosto, R$ 240,00.

A crise é clara e está nas ruas a nossa frente. Ela deteriora as condições de vida e não penaliza todos de forma igual, mas, especialmente, àqueles que menos têm. São estes os que mais perdem.

O brasileiro, que chegou a comprar 8,5 milhões de aparelhos de TV em 1996, ficou restrito a 4,8 milhões de unidades no ano passado. Dinheiro para gastar? Coisa do passado. O importante é pagar as dívidas. O assalariado que consegue chegar ao final do mês sem dever nada a ninguém pode se considerar um vitorioso - desde que mantenha o emprego, é claro.

O fato é que, cada vez mais, o dinheiro do brasileiro sai de sua conta para pagar pelos serviços públicos - esses sim imunes à qualquer retórica antinflacionária. De acordo com estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as famílias são os maiores fornecedores de recursos para a arrecadação pública, depois do setor produtivo. Só em impostos diretos, a carga tributária chega a 18,5% da renda familiar. Quando se acrescenta os indiretos, embutidos nos preços dos produtos, a mordida chega a 36,5% - patamar digno de primeiro mundo para serviços muitas vezes de quinta categoria. Só o governo federal foi responsável pelo aumento de 73% da carga tributária no Brasil de 1997 a 2001.

Esse aperto reforça o fato de o Brasil ter uma distribuição de renda considerada das mais injustas do mundo. Isso acaba por engessar a nossa sociedade, que no quesito mobilidade social deixa muito a desejar. Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que mediu o grau de mobilidade pela correlação de renda do filho e a do pai, quando este estava com a mesma idade, mostra que a capacidade de um brasileiro vencer na vida está ligada, principalmente, ao nível de renda familiar.

Além de impostos mais justos, tanto para trabalhadores como para o setor produtivo, o país carece urgentemente de encontrar a rota do crescimento sustentado, que permita uma distribuição de renda digna. Afinal, o brasileiro precisa de algo mais na vida além do "privilégio" de pagar impostos.

Por isso, não defendo uma retórica "retomada do crescimento", mas sim um crescimento sustentável alicerçado numa real e ousada distribuição de renda, para que, a curto prazo, alavanque o poder aquisitivo, ao mesmo tempo em que o nosso mercado interno estimule os setores de uso intensivo de mão-de-obra, promovendo uma imediata elevação do salário mínimo.

Arnaldo Jardim é deputado estadual pelo PPS

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