Opinião: Um quadro pouco animador


22/06/2012 17:13 | Vitor Sapienza*

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Confesso que está um tanto difícil convencer um velho amigo de infância de que ele precisa ficar mais atento aos seus gastos. E sempre que falamos a respeito, ele argumenta que, comprando sempre que pode, está ajudando a movimentar a economia. Tenho que admitir que ele não deixa de ter uma certa razão, quando pensa dessa maneira.

No entanto, o que ele não sabe, ou finge não saber, é que atendendo aos apelos da publicidade, virou refém de um consumismo desenfreado, de consequências desastrosas. Instigado pelas campanhas massivas, os incautos - geralmente pessoas de boa índole, e zelosas da integridade de seus nomes, atos e costumes - acabam vítimas desavisadas do perigo que correm.

Embora os números não sejam divulgados a contento, uma boa parcela dos consumidores com o nome nos serviços de restrição ao crédito são exatamente aqueles que confiaram nas facilidades do financiamento oferecido pelas empresas de varejo. Pessoas que se esquecem que a pequena parcela a ser paga, se somada a outras também pequenas, se transformam em grandes dívidas.

A falsidade da oferta "sem juros", a ser paga no "boleto bancário", ou em "dezenas de vezes", esconde armadilhas perigosas. Somado a isso, a ilusão do poder de compra, tão divulgado pela publicidade oficial do governo, incentiva o consumo muitas vezes desnecessário. O atendimento ao apelo consumista desconhece limites.

E esse consumo desenfreado mantém um leque bastante amplo; do carro novo à bebida; do eletrodoméstico à roupa de grife; do shampoo à jóia cara; do computador ao aparelho de telefonia celular. E o apelo consumista consegue, aos poucos, fazer com que o consumidor aceite a doutrina do "ter", no lugar do "ser".

Adota-se o hábito de comprar unicamente para expor uma condição nem sempre condizente com a real situação do devedor: compra-se porque a mensagem publicitária mandou. E as suas ordens são tácitas, e atingem do pequeno consumidor, adepto do tênis importado, das camisetas com etiqueta famosa, ou do lap top sofisticado, até o idoso que não resiste ao jogo de facas importado, estrela-mor de um churrasco que ele sonha ofertar aos amigos.

No auge do Plano Cruzado, em meados de 1986, o proprietário de uma rede de lojas de São Paulo dizia, com todas as letras, que o Plano iria por água abaixo por várias razões, e a principal delas era exatamente a onda consumista adotada pelo povo.

É evidente que hoje a situação é outra, em todos os sentidos. O real está estabilizado, os juros estão em queda, e a economia estável, bastando apenas alguns ajustes. No entanto, temos que dar o alerta. Se o consumismo ajudou a derrubar um plano econômico, dessa vez o perigo está distante, mas existe outro, e tão nocivo quanto o lado incauto de todos nós.

Pesquisadores de vários países colocam o consumismo no mesmo nível da dependência provocada por novas tecnologias como internet, jogos eletrônicos, telefones móveis. Sabemos que o risco existe, mas não vamos, aqui, condenar nem podar as ações de marketing aplicadas pelas empresas. Cabe à sociedade reagir e adotar uma conduta de modo a que os seus participantes conheçam as consequências dos abusos que porventura praticarem. Ou seja, o quadro é pouco animador.



*Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Informação, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado.

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