Opinião - Fraternidade e tráfico humano


07/03/2014 11:36 | Marco Aurélio*

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Sob o tema "Fraternidade e Tráfico Humano", foi iniciada a Campanha da Fraternidade 2014. Embora pesado, é um assunto que precisa ser discutido, pois está mais presente do que muitos imaginam.

Lançada anualmente na Quarta-Feira de Cinzas, a Campanha da Fraternidade é um período de reflexão que ocorre durante a quaresma. Uma simbologia sobre os 40 dias que Jesus passou no deserto, logo após ter sido batizado por João, no rio Jordão.

Não à toa a Campanha da Fraternidade tem como base o tripé "ver, julgar e agir". A cada ano, os temas e lemas propostos buscam levar os cristãos a dirigir seus olhos a determinados assuntos, para que possam debater a respeito e, por fim, partir para a ação, o chamado gesto concreto, para alterar a realidade à sua volta.

Embora seja uma iniciativa da Igreja católica, a campanha não tem pretensão de falar apenas aos católicos, pois aborda questões sociais que ultrapassam as paredes de uma religião. Tanto é que os temas são definidos conjuntamente com o Conic (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs).

Dessas campanhas muitos gestos concretos surgiram que se mantêm como exemplos de mobilização da sociedade. Um deles ocorreu após a campanha de 1996, cujo tema foi "Fraternidade e Política", em que muitas escolas de fé e política surgiram e, em um segundo momento, foi iniciado o movimento que culminou com a Lei da Ficha Limpa.

Casos assim fazem crer que a partir de 2014, com toda a discussão que se iniciará, passemos também a enfrentar o problema do tráfico de pessoas.

Dados da ONU (Organização das Nações Unidas) apontam que por ano mais de 800 mil pessoas no mundo são vítimas de tráfico de seres humanos por grupos criminosos organizados, que ganham bilhões de dólares com a exploração dessas pessoas.

No ano passado, a CPI do Tráfico de Pessoas, da Câmara Federal, concluiu que o Brasil está entre os dez países com mais vítimas do tráfico internacional de pessoas e que a exploração de seres humanos em vários locais do país atinge as mais diversas atividades, de atleta-mirim de escolinha de futebol a modelo fotográfico e de crianças para adoção a garotas de programa em bordéis.

Um diagnóstico feito em conjunto entre ONU e Ministério da Justiça revelou algumas modalidades de tráfico que ainda não tinham sido mencionadas na literatura do Brasil, como exploração da mendicância e da servidão doméstica de crianças e adolescentes.

As vítimas e suas famílias têm vergonha ou medo de denunciar os abusos, o que favorece esse tipo de ação criminosa, já que muitas das vítimas se veem presas a dívidas impostas pelo "empregador", como cobrança pelo transporte, alimentação, acomodação, entre outros.

Na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, já ouvi tristes relatos de mães que tiveram seus filhos subtraídos de diferentes formas, e que nunca mais os localizaram. Estariam estes sendo traficados ou "vendidos" para que seus órgãos sejam usados? A verdade demorará para chegar, e com certeza é uma realidade desoladora, não condizente com o gênero humano.

Que a campanha contra o tráfico humano sirva para abrirmos os olhos e realmente fazer algo a respeito. É inadmissível que no século 21 ainda convivamos com situações degradantes, em que um ser humano escraviza ou vende outro como se fosse algo normal.

Que as políticas públicas e o espírito fraterno ponham fim a essa realidade, que só traz vergonha à história da evolução de nossa espécie. Desta forma, nossa quaresma apontará para uma Páscoa - passagem para outra realidade, mais condizente com a realidade humana.

*Marco Aurélio é deputado pelo Partido dos Trabalhadores.

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