Ação civil pública busca cassar registro da marca M. Officer junto ao fisco paulista

Lei estadual que embasa petição é inovadora no combate ao trabalho escravo
29/07/2014 14:45 | Da Redação

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Em consonância com o trabalho que vem sendo desenvolvido pela CPI do Trabalho Escravo da Assembleia Legislativa, o Ministério Público do Trabalho (MPT) apresentou ação civil pública pedindo indenização de R$ 10 milhões à empresa M5, detentora da marca M. Officer. Além disso, com base na Lei Paulista de Combate à Escravidão (Lei estadual 14.946/2013), a peça inicial pede a cassação da inscrição da M5 no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o que impede a realização de qualquer transação formal no Estado, levando ao fechamento da empresa em território paulista. A medida, se for aplicada pela Justiça, atingirá ainda os sócios envolvidos, que ficarão impedidos de entrar com novas inscrições pelo prazo de dez anos.

A indenização (R$ 7 milhões por danos morais coletivos e R$ 3 milhões pela prática de dumping social) pleiteada pelos procuradores Christiane Nogueira, Tatiana Simonetti e Tiago Muniz, deve ser revertida para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou convertida em bens ou serviços para reconstituição dos bens lesados.

Em nota sobre a ação civil pública, a M5 reitera o posicionamento externado pela diretora de compras Rosicler Fernandes Gomes em audiência da CPI do Trabalho Escravo, realizada em 18/6, de que não possui qualquer responsabilidade sobre os fatos relatados, que teriam ocorrido sob responsabilidade de empresas fornecedoras. Tal argumento, entretanto, deixou de ter sentido quando entrou em vigência a Lei estadual 14.946/2013, que em seu artigo 1º deixa clara a responsabilidade do estabelecimento que comercializar "produtos em cuja fabricação tenha havido, em qualquer de suas etapas de industrialização, con­­dutas que con­figurem redução de pessoa a condição análoga à de escravo".

Recusa em assinar TAC

A ação contra a M.Officer se baseia em diversas diligências realizadas pelo MPT em oficinas que produzem para a grife, incluindo a realizada em 6 de maio deste ano, em conjunto com auditores do Ministério do Trabalho e da Receita Federal e deputados estaduais integrantes da CPI do Trabalho Escravo. Na ocasião, foram libertados 6 trabalhadores bolivianos.

Segundo a procuradora do trabalho Tatiana Simonetti, a postura da M.Officer é um caso único. "Entre as marcas denunciadas, é a única que se recusa a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta e de quitar as verbas rescisórias, por isso o caso tem de ser judicializado."

Diferentemente das demais empresas ouvidas pela CPI do Trabalho Escravo, como Zara e Marisa, a M.Officer não é lojista: tem registro de confecção, embora não desenhe nem fabrique as roupas que vende.

Em seu depoimento à CPI, a diretora Rosicler Gomes afirmou que todas as peças são idealizadas e fornecidas por empresas independentes.

Na ocasião, os parlamentares questionaram o fato de a Empório Uffizzi, empresa envolvida no caso mais recente, ter sido contratada para costurar 2.080 peças em 3 meses tendo apenas 3 costureiros no quadro de funcionários. A diretora da M.Officer alegou que jamais havia visitado a empresa e não tinha conhecimento do quadro de funcionários.

A M5 tem estilistas e costureiras em seu quadro de funcionários, todos eles com direitos trabalhistas, segundo o Ministério do Trabalho. Mas, de acordo com Rosicler, eles só atuam na marca Carlos Miele. A diretora de compras não soube afirmar qual seria a vantagem financeira de a marca M.Officer comprar toda a sua produção de terceiros em vez de confeccionar.

Na ação civil pública apresentada pelo MPT, os procuradores alegam que essa prática busca "desvirtuar, impedir ou fraudar uma autêntica relação de emprego e, por conseguinte, a aplicação dos direitos trabalhistas fundamentais", mas que, "embora os trabalhadores flagrados em situação degradante e análoga a de escravo não tenham sido diretamente contratados pela M5, estão inseridos em sua cadeia produtiva, eis que costuram peças seguindo "peça-piloto" idealizada pela equipe de criação da ré e utilizando-se de materiais (tecido, adornos, etc.) fornecidos por esta". Além disso, os membros do MPT explicam que mesmo não havendo "um controlador direto no ambiente produtivo, é certo que a ré promove um "controle de qualidade" sobre as peças produzidas (...), que pode ser encarado como espécie de poder diretivo, uma vez que peça não aprovada significa peça não paga. Percebe-se, pois, a total transferência do risco do empreendimento ao trabalhador", afirma os autores da ação.

Lei paulista

Conforme a procuradora Christiane Nogueira, que faz parte da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do MPT, a Lei estadual 14.946/2013 é recente e esse é um dos primeiros casos posteriores à sua regulamentação. "O MPT procura utilizar todos os meios disponíveis para a erradicação do trabalho escravo e essa lei, no âmbito do Estado de São Paulo, é mais um desses instrumentos. Então, é intenção da instituição sim incluir pedidos relativos à lei nas nossas ações e exigir a sua aplicação pelos órgãos competentes".

alesp