Opinião - 94 Rainhas


06/06/2017 14:16 | João Paulo Rillo

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Um dos mais nocivos subprodutos da ideologia eficientista pregada hoje em todas as camadas de poder em São Paulo é o desprezo pelo serviço público e a negação " intencional ou por ignorância " das ferramentas de representação popular. Um retrato das consequências disso em nossas instituições democráticas é a reforma do regimento interno apresentada pelo presidente da Assembleia Legislativa, Cauê Macris.

De maneira inédita, os deputados foram surpreendidos por mudanças nas regras de funcionamento do Legislativo paulista trazidas unilateralmente. No processo e no conteúdo, não há dúvidas: o pensamento político que conduz a Assembleia atualmente não tem envergadura para alcançar a importância do papel da própria Casa. Como está, a reforma do regimento é inconstitucional, ofensiva e, assim como seu autor, emperra as engrenagens que fazem funcionar uma sociedade democrática.

A base aliada do governo estadual tem maioria avassaladora, com 77 dos 94 deputados. Logo, os embates para a inclusão de uma pauta de oposição são duríssimos. Mas essa é a consequência da vontade popular expressa pelo voto na composição da Assembleia.

Com o possível novo regimento, no entanto, o exercício da oposição deixa de ser uma dificuldade circunstancial para ser estruturalmente suprimido até o ponto da irrelevância.

A proporção das diferentes correntes políticas é o item mais importante na eleição de um parlamento. E a fidelidade à composição escolhida pelo povo só é possível por meio das ferramentas que garantem que quem tem menos votos na Casa tenha outras formas de debate e pressão. Sem elas, a maioria parlamentar passa a atuar como partido único.

A reforma apresentada trata esses recursos como empecilhos ao "dinamismo". Cala os parlamentares e vira canal direto de aprovação para os projetos do Executivo.

Regimentos de casas legislativas são pouco atraentes e muito complexos. Daí a dificuldade da missão imprescindível de se alçar ao debate público a importância de mudanças aparentemente simples e certamente nocivas à convivência democrática.

Mas mesmo ao mais indiferente chamam a atenção itens como a mudança de regras da sessão extraordinária para facilitar o quórum governista. Ou a eliminação da leitura do voto em separado, ferramenta essencial da minoria para tentar incluir sua pauta no Orçamento. Sem contar a redução brutal do tempo de discussão, diminuindo a chance da população ser adequadamente informada sobre as decisões que dizem respeito às suas vidas. Há até um item de proibição do uso da tribuna pelos deputados.

Oposição ou não, a própria função do deputado é esvaziada. Sob o pretexto desse mítico slogan de aceleração que sufoca o serviço público de São Paulo atualmente, os deputados eleitos pelos cidadãos paulistas foram ridicularizados por um documento que nos torna um parlamento de 94 rainhas da Inglaterra: ótimos para acenar para o povo de nossos municípios, mas excluídos de qualquer decisão verdadeira.

Conteúdo e forma dessa proposta são inaceitáveis em um parlamento saudável. Tanto que a pressão da oposição e da própria base obrigaram Macris a reunir, depois de muitos embates após a autoritária publicação do projeto, uma Comissão suprapartidária para debater texto e emendas. Ocorre que, a dias do prazo final, a Comissão sequer começou. Como se vê, não apenas a existência, mas também o desenrolar desse processo, já são indicadores poderosos da qualidade da democracia, das instituições e do futuro do Estado de São Paulo.

(*) João Paulo Rillo é deputado pelo PT

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