Em busca de reconhecimento, quilombos paulistas propagam cultura e resistência no estado
20/11/2025 08:00 | Dia da Consciência Negra | Gustavo Oreb - Fotos: Acervo Ivaporunduva
Adaptada dos idiomas bantu, falados em grande parte do continente africano, a palavra "quilombo" se tornou sinônimo de "esconderijo" no período colonial brasileiro. Naquela época, a definição fazia bastante sentido, visto que essas comunidades se estabeleceram - encobertas por florestas - para servir de refúgio a negros e indígenas que conseguiam fugir do regime de escravidão português. Hoje, o cenário é diferente.
Ao invés de se esconder, as comunidades quilombolas remanescentes se esforçam para aparecer e conquistar o reconhecimento que, não só merecem, mas precisam. "Os descendentes do processo de escravatura ainda resistem e residem nesses espaços. Muitas dessas comunidades ainda passam dificuldades, não têm acesso a direitos básicos como água e saneamento, e, somente a partir do reconhecimento estatal, isso começa a mudar", conta o coordenador financeiro da Associação Quilombo Ivaporunduva, Elson Alves da Silva.
Uma das grandes comunidades remanescentes do estado, Ivaporunduva faz parte da maior concentração de quilombos de São Paulo, na região do Vale do Ribeira, onde existem 29 ao todo, segundo a Fundação Instituto de Terras (Itesp). Elson, que também é diretor da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), descreve a comunidade como um lugar em constante transformação, mas que, ao mesmo passo, preserva costumes seculares e os passam adiante.
"As comunidades mantêm seus costumes ao longo dos séculos, mas também vão se reinventando, como é o caso do Ivaporunduva, cercado por uma rede de outros quilombos. O nosso é o mais antigo da região, criado por volta de 1630 após a exploração de ouro dos portugueses. A partir dali, começaram a nascer comunidades permeadas pela passagem de conhecimentos e saberes. Afinal, naquela época, o negro só sobrevivia se fosse forte ou tivesse algum conhecimento técnico a oferecer", esclarece o coordenador.
No Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, os quilombos locais se encontram tradicionalmente em Ivaporunduva para honrar a memória de Zumbi dos Palmares, assassinado há 330 anos, mas imortal para todos aqueles que acreditam em um mundo onde não existe escravidão.
"No dia, costumamos fazer uma missa afro em memória a Zumbi e outros grandes líderes que se foram, e todas as comunidades em nosso entorno participam. Fazemos uma tarde de reflexões e diálogos entre os mais velhos e os mais novos, compartilhando vivências e contos do nosso território. Depois disso, mais à noite, rola um sambinha para finalizar o dia do nosso jeito, vivendo nossa cultura", descreve Elson, reforçando que essa é apenas uma das várias atividades promovidas pelo quilombo anualmente.
Cultura transformadora
Há quem diga que a história do povo negro existiria sem o Brasil, mas não existiria história do Brasil sem o povo negro. É a partir dessa constatação que os quilombos mantêm sua força e sua essência vivas em São Paulo e em todo o país até hoje. As histórias e as técnicas centenárias aprendidas nesses territórios são os pilares que sustentam e impulsionam a cultura quilombola, ensinada pelos mais velhos e passada adiante para as gerações mais jovens.
"Pouco se fala sobre os quilombos atuais, sobre o papel e a importância que eles ainda têm. Esses espaços são essenciais para a manutenção da história e da cultura dos povos negros e indígenas", afirma a jornalista e coautora do livro "O Grito dos Quilombos - Histórias de Resistência de um Brasil Silenciado", Marina Lourenço.
"Cultura é algo fluido, então você não vai encontrar nesses espaços a mesma realidade de séculos atrás", pondera a escritora. "Mesmo assim, ainda está presente a essência desses lugares e desses povos que foram traficados. Quilombos são o símbolo máximo de resistência negra e antirracista no Brasil. Eles foram contra o sistema, criaram suas próprias regras e leis e continuam sendo importantes para reformular o imaginário sobre negritude e até mesmo sobre a história do país", aponta Marina, que visitou comunidades de oito estados brasileiros para escrever seu livro.
Exemplo dessa cultura pode ser encontrada no quilombo de Ivaporunduva, que, segundo Elson, proporciona aos jovens uma educação informal dentro do território, passando conhecimentos como artesanato, pesca e culinária para as crianças. "Nossa intenção é prepará-las para viver bem na nossa comunidade, sem passar nenhum tipo de necessidade", diz ele.

Oficina de artesanato do quilombo Ivaporunduva
"Os afazeres cotidianos e a interação com a fauna e flora da região são parte direta da nossa vida, isso é um fator que permaneceu e foi herdado dos nossos antepassados. Para viver bem, nós não precisamos desmatar a Mata Atlântica ou destruir a natureza que nos cerca, ela já nos abastece com tudo que precisamos há 400 anos, por isso vivemos em sintonia", acrescenta o coordenador de Ivaporunduva.
Papel socioambiental
Bioma mais devastado do país, a Mata Atlântica abriga a maior parte dos quilombos paulistas, que se esforçam ativamente para cuidar da casa que a natureza proveu a várias gerações de famílias negras e indígenas. "A maioria dos quilombos paulistas são rurais e estão concentrados no Vale do Ribeira. Eles têm como um dos principais princípios conservar a mata, regular o clima e cuidar da floresta. Ou seja, além de promover a cultura negra, os quilombos de São Paulo exercem uma função socioambiental indispensável", pontua Marina Lourenço.
Segundo Elson, esse cuidado com o meio ambiente teve origem, também, na necessidade de preservar os territórios após a abolição da escravidão. "A maioria dos pretos africanos não conseguia emprego, e passaram a viver em comunidade promovendo agricultura, preservação ambiental e passando esse modo de vida para seus descendentes".
A disseminação de histórias do folclore brasileiro também permeia a relação simbiótica entre os quilombos e as matas. "No Maranhão, visitei a comunidade quilombola Itamatatiua, que me chamou bastante atenção nesse sentido", conta Marina.
"Lá, a padroeira da comunidade é Santa Teresa de Ávila. Existe uma crença muito forte entre os moradores de que ela tenha dado aquela terra a um casal de escravizados, e essa história leva a várias outras, como um poço que nunca seca e abastece eternamente a população. Esse poço seria protegido pela Santa e até mesmo por seres mágicos, como a Iara, personagem do nosso folclore", exemplifica a repórter.
Reconhecimento
Mesmo preservando tanta riqueza cultural e mantendo práticas de resistência tradicionais, os quilombos necessitam de respaldo da legislação para ter seus territórios reconhecidos e protegidos. A Lei 9.757/1997, aprovada na Alesp, foi uma das normas mais importantes nesse sentido.
A medida estabeleceu critérios mais consistentes para o trabalho e a legitimação de posse das terras públicas estaduais, que já estava prevista na Constituição Federal. Dessa forma, a iniciativa garantiu a participação das Associações Quilombolas sobre as diretrizes do processo de demarcação de seus territórios.
Mas, mesmo assim, o processo de titulação e delimitação das terras quilombolas continua marcado por ser extremamente burocrático e arrastado, segundo Marina Lourenço. "Partindo do reconhecimento até a demarcação e proteção das terras de uma comunidade, o trâmite pode levar mais de 20 anos. Por isso, ainda existem tantas comunidades que vivem em terras desprotegidas, suscetíveis a especulação imobiliária, invasões e falta de recursos do Estado."
Para buscar esses direitos constitucionais, as comunidades negras que se autodeclaram remanescentes podem buscar do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Itesp reconhecimento e políticas públicas que reduzam a desigualdade social causada pelos séculos de escravidão praticados no país.
Esse reconhecimento possibilita, por exemplo, que a comunidade conte com assistência técnica para a produção e comercialização de produtos agrícolas ou artesanais, acesso a insumos, inclusão social, educação ambiental, além de ter as estradas do entorno reformadas.
"Após a titulação das terras, o estado passa a nos reconhecer de fato e nos garantir acesso a direitos básicos, e não são todos os territórios do estado que são reconhecidos, nem de longe", diz Elson. "Políticas de agricultura familiar, melhoria de habitações, acesso à saúde, material de educação chegam até as comunidades reconhecidas e tituladas. Isso tudo, porém, chega com muita morosidade até a maioria dos territórios", completa o coordenador.
De acordo com o Itesp, principal órgão responsável pelo reconhecimento dos quilombos no âmbito do estado, "o processo para a identificação de um território como remanescente de quilombo demanda estudos antropológicos fundamentados em critérios de autoidentificação e dados histórico-sociais, escritos e/ou orais, levados em conta os espaços de moradia e aqueles destinados às manifestações culturais, cultos religiosos, lazer e os aspectos do meio que o constituem. Esses elementos constroem o Relatório Técnico-Científico (RTC) que, depois de elaborado, dá abertura ao reconhecimento das comunidades, mediante publicação no Diário Oficial do Estado".
Notícias relacionadas
Notícias mais lidas
- Entra em vigor hoje o novo Salário Mínimo Paulista, de R$ 1.804
- Deputado pede ao MP prisão de participante de 'A Fazenda' por ameaça e maus tratos contra enteado
- Alesp aprova projeto que garante piso salarial nacional a professores paulistas
- Seduc pretende substituir professores de educação especial por cuidadores sem formação
- Com aprovação da Alesp, estado de São Paulo pode aderir ao Propag
- Delegada Raquel Gallinati toma posse como deputada na Alesp
- Alesp aprova e estado de São Paulo passa a ter 78 estâncias turísticas
- Projeto que dá direito à merenda escolar a profissionais da educação avança na Alesp
- Mudança de regras no repasse do ICMS para a Educação dos municípios é aprovada na Alesp
Lista de Deputados
Mesa Diretora
Líderes
Relação de Presidentes
Parlamentares desde 1947
Frentes Parlamentares
Prestação de Contas
Presença em Plenário
Código de Ética
Corregedoria Parlamentar
Perda de Mandato
Veículos do Gabinete
O Trabalho do Deputado
Pesquisa de Proposições
Sobre o Processo Legislativo
Regimento Interno
Questões de Ordem
Processos
Sessões Plenárias
Votações no Plenário
Ordem do Dia
Pauta
Consolidação de Leis
Notificação de Tramitação
Comissões Permanentes
CPIs
Relatórios Anuais
Pesquisa nas Atas das Comissões
O que é uma Comissão
Prêmio Beth Lobo
Prêmio Inezita Barroso
Prêmio Santo Dias
Legislação Estadual
Orçamento
Orçamento
Atos e Decisões
Constituições
Regimento Interno
Coletâneas de Leis
Constituinte Estadual 1988-89
Legislação Eleitoral
Notificação de Alterações