Médicos concluem que houve contaminação em Paulínia pela Shell


28/06/2001 19:20

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A Comissão de Defesa do Meio Ambiente, presidida pelo deputado Rodolfo Costa e Silva (PSDB), ouviu na tarde desta quinta-feira, 28/6, no plenário Tiradentes da Assembléia Legislativa, médicos que assistem pacientes contaminados, toxicologistas, representantes do Ministério Público e da Shell sobre as conseqüências da contaminação do meio ambiente no município de Paulínia, mais especificamente no Recanto dos Pássaros, área próxima a de onde funcionava a fábrica da Shell. A conclusão dos médicos ouvidos é que houve contaminação na área, com conseqüências para os moradores e também para os ex-trabalhadores da fábrica.

De acordo com o médico Igor Vassilleft, responsável pelo Centro de Assistência Toxicológica do Instituto de Biociências da Unesp, que tem acompanhado os exames a que 170 moradores foram submetidos, entre 60% e 70% dos exames apontam para intoxicação química com prevalência de metais pesados. "E não adianta ficar falando em níveis de intoxicação por um determinado produto. Pode ser que um tipo de produto não alcance o nível de intoxicação considerado perigoso. O que temos lá é uma somatória de exposição a produtos químicos que pode causar problemas aos sistemas nervoso, endocrinológico, reprodutor, digestivo. Os exames mostram disfunção celular", afirmou o médico. Ele destacou que é necessário fazer uma análise também do que cada um suporta em termos de contaminação e lembrou que os metais próprios de inseticidas, como os fabricados pela Shell, induzem ao estresse celular, "sintomatologia que a população está apresentando". O médico ressaltou também que a população, principalmente infantil, gerada e criada naquele local, vem apresentando distúrbios neurocomportamentais. O médico chegou a se emocionar ao relatar o caso de um menino de 9 anos que vem apresentando graves distúrbios com conseqüente retardo mental, cujos exames mostraram níveis acima dos considerados normais. "Clinicamente podemos afirmar que essa população tem intoxicação química", disse. Segundo Vassilleft, os níveis de contaminação dependem da idade e do tempo de exposição, e poucos moradores do local não apresentam.

O médico-chefe do Departamento de Contaminação Toxicológica do Hospital das Clínicas de São Paulo, Antony Wong, concordou com Vassilleft que houve contaminação e deu destaque ao fato de que aparentemente a Shell tenha tentado minimizar as conseqüências da contaminação. "A atuação da empresa tem o sentido de tentar esconder sua participação, inclusive fazendo exames em moradores que não tinham nada a ver, quando o quadro clínico era outro." O médico, que está analisando óbitos ocorridos entre os trabalhadores da empresa, concluiu que em pelo menos um caso a morte foi por contaminação. Outros dois óbitos estariam relacionados à exposição química. Wong ainda não teve tempo de analisar os prontuários médicos que só lhe chegaram às mãos hoje, mas lamenta que os mais antigos já tenham sido destruídos. "Minha avaliação, mesmo que superficial, corrobora a opinião do Dr. Igor, de que realmente houve exposição e contaminação. Essas substâncias químicas certamente serão responsáveis por doenças e sofrimento daquelas pessoas." O médico lembrou que o Brasil é signatário de uma convenção internacional que admite os DRINs - material utilizado na fábrica de Paulínia - como substâncias causadoras de doenças em animais e seres humanos. "É minha crença que o trabalho dessa comissão e do Dr. Igor deverá apontar para resultados bastante contundentes."

Coube à médica da Prefeitura de Paulínia, Cláudia Regina Guerreiro, falar sobre o papel daquele órgão frente aos problemas dos moradores do Recanto dos Pássaros. Ela lembrou que a situação dos moradores envolve não apenas a parte médica, mas também a social. Ela salientou que a falta de evidências não justificam a falta de providências. "Qualquer bom médico e toxicologista sabe que tenho total razão", falou. Para a médica, os DRINs são substâncias potencialmente carcinogênicas (podem causar câncer). "Vários trabalhos de médicos de universidades de outros países mostram essa evidência." A médica disse ainda que, mesmo que o nível de uma determinada substância esteja dentro do limite, essa substância junto com uma outra pode ter sua potencialidade multiplicada.

O representante da comissão de ex-trabalhadores da Shell, Antonio Marcos Rasteiro, enfatizou sua preocupação com o fato de que colegas seus venham apresentando sintomas de contaminação. Ele chamou a atenção para o fato de os trabalhadores serem preparados e usarem equipamentos de proteção industrial (EPI), mas mesmo assim terem sido contaminados "por um meio ambiente sacrificado". Para ele, a emanação de vapores para a atmosfera era muito grande. Rasteiro denunciou que os ex-trabalhadores da Shell se encontram hoje sem proteção, inclusive do Estado, em relação aos possíveis problemas decorrentes da contaminação.

O promotor José Carlos Meloni Cicoli, do Ministério Público de São Paulo, relatou os passos daquele órgão no acompanhamento do caso de Paulínia. Ele louvou a iniciativa da Prefeitura daquele município de não mais esperar pelas providências da Shell e providenciar os exames nos moradores. Para ele, o episódio mostrou a necessidade de o MP se adequar, visto a dificuldade em enfrentar situações como a de Paulínia. "Situações dessa natureza, infelizmente, não se restringem a este caso." Ele pediu que a Assembléia, "que é a Casa de onde emergem as idéias", pense em leis e fórmulas para se evitar esse tipo de problema e tornar a fiscalização mais efetiva. "A questão ambiental hoje não pode mais ser tratada apenas pelos órgãos ambientais. É uma questão de saúde pública e é dessa forma que deve ser tratada", disse. O promotor defendeu a tese de que a iniciativa privada não pode deixar que os acontecimentos se agravem para só então dedicar atenção aos moradores. "Acho que é irresponsabilidade do sistema que só depois de acontecer acidentes pense em combater a contaminação. As empresas têm de entregar sua contrapartida com estudos e formas de combater a contaminação. É uma situação injustificada essa de termos de bater às portas das universidades para que desenvolva programas voltados a um problema já estabelecido. Mesmo que os estudos estejam sendo feitos com o dinheiro do contaminador", ressaltou, falando dos estudos que vêm sendo elaborados pela Unicamp, que tenta desenvolver tecnologia para a desintoxicação da área.

Para o representante da Shell, Roberto Horn, a empresa tomou e vem tomando todas as providências necessárias para atender a população do lugar.

Já o representante dos moradores do Recanto dos Pássaros, Vicente de Paula M. Souza, afirmou que os exames feitos pela Shell são capazes de identificar apenas três produtos químicos, e que no solo próximo a sua residência foram encontrados 200 diferentes tipos de substâncias. Ele disse ainda que a empresa deveria ter tomado providências para retirar as pessoas daquele local "ontem".

Participaram da reunião os deputados Jorge Caruso (PMDB), Luis Carlos Gondim (PV), Maria do Carmo Piunti (PSDB), Donisete Braga (PT), Carlos José Gaspar (PTB), José Rezende (PFL), membros da Comissão, e Mariângela Duarte (PT).

alesp