6 de agosto de 1954

Especial Getúlio Vargas - Agosto de 1954: 50 anos de uma tragédia brasileira
06/08/2004 19:36

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Agonia e morte do presidente Getúlio Vargas

Ao completar 50 anos dos fatos que culminaram com o suicídio do presidente Getúlio Vargas, a Agência Assembléia publica uma série de textos que relatam a seqüência dos eventos que ocorreram naqueles negros dias de agosto e que enlutaram o Brasil. Dentro do possível narraremos cronologicamente, seguindo a mesma data, porém meio século depois, esses acontecimentos tão marcantes para a história do nosso país.

(*) Antônio Sérgio Ribeiro

Sexta-feira - 6 de agosto de 1954

O atentado a Carlos Lacerda e a morte do major Rubens Vaz indignaram e revoltaram toda a nação. Manifestações de apoio chegavam de várias regiões do Brasil e também do exterior. A Sociedade Interamericana de Imprensa enviou mensagem ao jornalista brasileiro na qual se solidarizava e condenava o atentado.

Convalescendo em um quarto do hospital Pedro Ernesto, o guarda municipal Sálvio Romeiro declarou que não havia conseguido anotar a placa do veículo no qual fugira o atirador e que não era capaz de dizer qual era a sua marca, mas que atirara contra ele. Informou ainda que, quando estava sendo socorrido por uma radiopatrulha, um homem aproximou-se do tenente que lhe prestava os primeiros atendimentos e disse ter ouvido os tiros e anotado o número da placa do carro, que passara por ele em alta velocidade. Naquele momento fora entregue ao oficial um papel com a placa 5-60-21. Dessa maneira, a polícia poderia chegar ao motorista e ao proprietário do automóvel.

Nesse dia, os jornais divulgaram em primeira página que um empregado do aeroporto Santos Dumont, na madrugada do crime, vira quando, de um automóvel em disparada, foi atirada na Avenida Beira-Mar uma arma. Dirigindo-se ao local, aeroportuário recolheu-a - pois a pistola havia caído nas pedras e não no mar - e a entregou à polícia.

Investigações e depoimentos

O ministro da Justiça, Tancredo Neves, mostrava-se satisfeito com o trabalho das autoridades policiais e afirmou que não pouparia esforços para a elucidação do brutal atentado. A idéia inicial era que um desembargador presidisse o inquérito, pois teria total isenção no caso, mas a Constituição Federal não permitia tal procedimento e assim não pôde ser concretizada.

Segundo declaração prestada no 2o Distrito Policial do Catete, o pai do motorista Nelson Raimundo de Souza, ao ser ouvido pelas autoridades, afirmou não acreditar que seu filho fosse inocente no atentado, já que era muito conhecido no mundo do crime. Revelou ainda, para surpresa de todos, que ele havia sido alcagüete da polícia política do Estado do Rio. Com um pai desses, para que inimigos?

À noite, apesar da manifestação contrária do ministro da Aeronáutica, realizou-se no Clube da Aeronáutica, sob a presidência do brigadeiro Ignácio Loyola Daher, uma reunião com 400 oficiais. Além dos associados, compareceram também integrantes da Marinha e do Exército. Entre os oradores estava o major Gustavo Borges, que havia sido substituído pelo seu colega major Rubens Florentino Vaz na missão de acompanhar Carlos Lacerda ao evento no Externato São José. Borges. Borges falou em nome de uma comissão de oficiais da Aeronáutica, afirmando inclusive que "apurasse tudo até o fim, até onde a policia não sente coragem de ir", sendo aplaudido várias vezes pelos presentes. Ao final da reunião, foi aprovada e distribuída uma nota que solicitava uma assembléia extraordinária para tratar

das homenagens póstumas e de amparo à família do saudoso companheiro, sendo que a diretoria do Clube, presente à reunião, de imediato acatou à decisão. Por determinação do ministro da Guerra, general Zenóbio da Costa, um Batalhão de Guardas e o Batalhão de Polícia do Exército permaneceram de prontidão durante o período da reunião, com o intuito de evitar possíveis agitações.

Das 16h45 às 23h, Carlos Lacerda prestou um minucioso depoimento ao delegado Jorge Pastor, titular do 4o Distrito Policial, que, ao chegar no prédio do jornalista, indagou ao porteiro se não havia ocorrido alguma altercação entre o jornalista e o major. No apartamento, com a presença do delegado e do promotor João Baptista Cordeiro Guerra -- anos depois presidente do STF --, Lacerda confirmou os fatos que eram de conhecimento da opinião pública, afirmando: "os mandantes são tão poderosos que se dão ao luxo de indicar gente honrada para investigá-los". E ainda manifestou sua descrença de que o inquérito produzisse conseqüências, se fosse, afinal, comprovada a responsabilidade de gente ligada ao Palácio do Catete no atentado.

Carlos Lacerda tinha prevenção contra o delegado, desde que ele começou a sustentar a tese de que o autor do crime era um homem só. Indignado, o representante do Ministério Público, Cordeiro Guerra, respondeu: "Minha presença aqui indica que estou disposto a levar o inquérito até o fim". No final, o jornalista, não perdendo a oportunidade, reiterou o que já havia escrito no seu jornal: "apontou como principal responsável pelo bárbaro crime o sr. Getúlio Vargas".



(*) Antônio Sérgio Ribeiro, advogado, pesquisador e funcionário da Secretaria Geral Parlamentar.

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